Publicado às 9h30
G1 São Paulo
Todas as semanas, crianças muito pequenas mexem em livros da Biblioteca Parque Villa-Lobos. Muitas dobram as capas, colocam as páginas na boca. Por todos os lados, livros permanecem soltos pelo espaço. A descrição parece a de um equipamento em ruínas, mas, na verdade, é a de uma instituição que concorre a um prêmio internacional de melhor biblioteca pública de 2018.
A Biblioteca Parque Villa-Lobos, na Zona Oeste, é uma das cinco finalistas do prêmio internacional concedido pela IFLA (International Federation of Library Associations, ou Federação Internacional de Associações e Instituições Bibliotecárias), instituição parceira da Unesco que reúne 1.4000 membros em 140 países.
A candidata brasileira concorre com espaços da Noruega, Holanda, EUA e Cingapura. Na premiação de 2018, a IFLA recebeu 35 candidaturas de 19 países diferentes.
“Essa biblioteca, a centralidade dela está nas pessoas, na comunidade que a cerca”, explica Pierre André Ruprecht, diretor-executivo da SP Leituras, órgão do estado de São Paulo que administra o local.
“Nessa biblioteca você vai encontrar livros, mas também vai encontrar muito computador, uma programação muito variada, incluindo até uma oficina de smartphone para idosos”, exemplifica Ruprecht.
“O conceito que está por trás [do local] é que uma biblioteca pública é um local de construção autônoma do conhecimento.”
Um dos eventos semanais, descrito no início deste texto, tem como objetivo colocar crianças a partir de 6 meses de idade em contato com os livros. A ideia é que, desde pequenas, elas se acostumem à presença do objeto. O espaço também é usado para conversas com autores e até aulas de yoga.
Espaço livre
Um dos princípios da biblioteca é ter o mínimo possível de regras para os usuários. A entrada é livre. Não é necessária carteirinha para quem quiser ler os livros no local. O acervo fica quase todo à mostra, em prateleiras abertas. Apenas uma sala do prédio mantém a exigência de que os frequentadores façam silêncio.
“Não existe livro escondido que você tem que falar com alguém pra pedir. Aqui você mete a mão no que você quiser”, afirma o diretor da SP Leituras.
Outra questão, levantada por Ruprecht, é o diálogo com os frequentadores, que podem opinar nas aquisições de materiais.
“Hoje, um terço do que a gente compra é sugestão dos frequentadores da biblioteca. E eu falo de todos os materiais [CDs, DVDs], não só os livros.”
Ruprecht explica também que a biblioteca é uma extensão do Parque Villa-Lobos, que a rodeia. “Esse parque tem um raio de atração muito grande, que se expande aos finais de semana. Vem gente da Zona Sul, vem gente de Osasco, Franco da Rocha etc. E o público básico que vem aqui são famílias”, diz. Por isso o espaço oferece outras opções de atividades além da leitura.
“A primeira das adaptações que a gente fez [no projeto original do edifício] foi criar um café que fizesse o prédio da biblioteca conversar com o parque”, afirma.
“O fato de a biblioteca estar num parque é maravilhoso. Você se aproxima de pessoas que normalmente não iriam procurar uma biblioteca. Por isso também que a gente tem uma oca na entrada. A pessoa entra e diz: aqui eu posso entrar e não fazer nada, posso até me deitar. É legal deitar e olhar para o teto que você pode ver os quero-queros que fazem ninho aqui em cima.”
Acessibilidade
Quem aproveita o barulho dos quero-queros é o massoterapeuta Jorge Arakelian, 62, que frequenta a biblioteca desde 2015, nos primeiros meses de funcionamento. Deficiente visual há anos, por causa de uma doença degenerativa, ele tem acesso a todos os livros do acervo por meio de um aparelho que “lê” as páginas e as transforma automaticamente em audiolivros.
“Eu venho aqui, escaneio o livro e os transformo em áudio. Com a ajuda da equipe da biblioteca, eu gravo tudo num pen drive e vou ouvindo no meu dia a dia”, diz Arakelian. “Tudo o que eu leio aqui é ligado ao espiritismo e à espiritualidade. É algo que me acompanha desde quando eu perdi a visão”, afirma.
Além de audiolivros e livros falados (obras que têm as falas interpretadas por atores), o acervo também conta com livros em braile e outros equipamentos de acessibilidade – incluindo um virador automático de páginas, alocado em uma mesa especial.
Para Arakelian, os recursos da biblioteca dão uma nova oportunidade de usar um espaço que ele utilizava desde a adolescência: “Aqui, antes de ser um parque, uma parte do terreno era usada pra depositar entulho. Em outra parte, tinha uns campos que a gente usava pra jogar futebol”.
Critérios
A acessibilidade, a relação com a comunidade e com o entorno são alguns dos critérios de avaliação das bibliotecas pela IFLA. Saiba como a instituição vai definir o vencedor:
- Interação com o entorno e a cultura local, ou seja, se a biblioteca funciona como uma “sala de estar” para a comunidade, conectando diferentes grupos de interesse.
- Qualidade arquitetônica; como o projeto do espaço interfere em sua função.
- Flexibilidade; quais outras atividades a biblioteca comporta.
- Sustentabilidade, ou seja, quais os esforços para que os recursos sejam usados de forma eficiente.
- Espaço de aprendizado; se a biblioteca oferece diferentes oportunidades de ensino, no sentido mais amplo – incluindo o contato entre gerações.
- Digitalização; como a tecnologia é usada de maneira inovadora para enriquecer a experiência dos frequentadores.
O vencedor será revelado na reunião anual da IFLA em 28 de agosto, numa cerimônia em Kuala Lumpur, na Malásia.
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