Publicado às 9h10
Agência Estado
Uma mulher de uniforme preto olha uma vez, duas e ainda se vira novamente para se certificar do que viu. Assim como ela, outros passantes desviam o olhar, entortam o pescoço e até diminuem o passo na correria do Largo da Batata para conferir a novidade: um “bonde monumento”.
De madeira vazada, o item lembra os bondes que passavam por Pinheiros, na zona oeste, até pouco mais de 50 anos atrás. Ele foi disposto sobre o chão de paralelepípedos, no trecho do largo onde estão instalados trilhos de 1909 encontrados durante obras no entorno.
Lançada na quarta-feira, 21, a ocupação leva o nome de Cadê o bonde que passava aqui? e segue até 2 de junho, com a realização do coletivo Foi à Feira. A ideia é resgatar as memórias da população sobre a região, desde aqueles que conviveram com os bondes até os que desconhecem o passado mais distante do bairro.
Essa troca já ocorre há alguns meses, com entrevistas que deram origem a um documentário, que é exibido na parte externa do bonde nas terças, quintas-feira e domingos, à noite. A programação inclui ainda oficinas, rodas de conversa e apresentações musicais.
“Falamos com bastante gente, com comerciantes e alguns moradores, desde os antigos até o bar que abriu ontem. De maneira geral, quem saiu tem uma visão mais saudosista do espaço, de como era antes”, conta uma das realizadoras, a produtora cultural Clarissa Ximenes, de 29 anos.
Todos os dias, a partir das 15 horas, arteeducadoras ficam no local. “A ocupação vai produzir cartazes, jornais. Vai produzir graficamente, produzir conversando, para gerar afeto, uma troca com esse espaço”, conta. “A ideia é fazer uma arqueologia desse lugar, pensar como ele mudou ao longo do tempo.”
Na parte interna, a estrutura tem banquinhos abaixo de caixas de som, que tocam narrativas criadas a partir de depoimentos de moradores, ex-moradores e frequentadores. Do lado de fora, uma manivela revela fotos antigas da região, quando o chão era de terra batida e o transporte por carroças era usual.
Arteeducadora na ocupação, Roberta Maringelli, de 30 anos, conta que a intervenção chama a atenção especialmente de idosos e jovens. Dentre eles, estava a advogada Célia Lemos Leite, de 66 anos, que fez questão de tirar fotografias e tocar a buzina, que simula o barulho dos bondes.
“Eu andava de bonde com a minha mãe, era uma delícia. Era um transporte normal, usava para tudo, para encontrar pessoas, fazer compras”, lembra. “Estava olhando de longe quando vi. Me interessei de tirar foto e por nas minhas redes sociais.”
Já as estudantes Yasmin de Oliveira, de 15 anos, e Giulya Silva, de 14 anos, não sabiam que um bonde já funcionou na região. “Nunca tinha parado para reparar nos trilhos, só fui ver agora”, conta Yasmin. “Sabia que já teve, mas não aqui.”
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