Publicado às 10h10
Agência Estado
Por unanimidade, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu nesta terça-feira, 28, autorizar que uma moradora inadimplente frequente a área de lazer do seu condomínio, localizado em Guarujá, no litoral do Estado de São Paulo. O entendimento dos ministros foi a de que, mesmo em dívida com o condomínio, ela deve ter assegurado o direito de acessar as áreas comuns do edifício. A decisão do STJ abre um precedente que deve servir de referência para processos similares que tramitam em outras instâncias judiciais.
O caso girou em torno de uma moradora do Condomínio Tortuga’s, cujas dívidas acumuladas desde 1998 com o pagamento das taxas já somam R$ 290 mil. A moradora – que já teve penhorados bens para o pagamento da dívida – alega que, após a morte do marido, passou a cuidar sozinha dos cinco filhos e gerir os negócios da família. O condomínio acabou proibindo a residente e seus filhos de utilizarem a área de lazer, que inclui piscina, brinquedoteca e salão de jogos.
Ela acionou a Justiça sob o argumento de que a restrição imposta pelo regulamento interno do condomínio afeta o seu direito de propriedade e viola a dignidade humana. Recorreu ao STJ, após o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) dar vitória ao condomínio ao entender que permitir o uso de áreas de lazer no caso seria um incentivo à inadimplência.
“Não há dúvida de que a inadimplência vem gerando prejuízos ao condomínio, mais especificamente pela situação em questão em que os recorrentes estão inadimplentes desde 1998, além do fato de que os autores possuem bens suficientes, em valores que superam os R$ 2.500.000,00”, disse o relator do caso, ministro Luís Felipe Salomão.
“No entanto, penso ser ilícita a prática de privar o condômino inadimplente do uso de áreas comuns do edifício destinadas ao lazer, incorrendo em verdadeiro abuso de direito a disposição condominial que determina a privação da utilização como medida coercitiva (e até mesmo coativa) de obrigar o adimplemento das taxas condominiais”, afirmou Salomão.
Para Salomão, o próprio Código Civil estabelece “meios legais específicos e rígidos”, como multas e juros, sem ofender a dignidade do morador inadimplente. Dessa forma, a convenção do condomínio não poderia ir além do que já está previsto na legislação – ou seja, não poderia impedir o morador que está em dívida de frequentar o uso de áreas comuns.
Segundo o Código Civil, é direito do condômino “votar nas deliberações da assembleia e delas participar, estando quite”. Salomão, no entanto, ressaltou que as normas que restringem direitos devem ser interpretadas “restritivamente”, e não de maneira ampla. O Código Civil não proíbe o morador inadimplente de frequentar áreas de lazer.
A ministra Isabel Gallotti, mesmo concordando com o relator, disse que não deixa de causar “perplexidade” que os moradores inadimplentes sejam habilitados a usar áreas que demandam alta manutenção.
“Quando se vive em condomínios, inadimplência causa vários transtornos. Mas não vejo como dissociar uma parte (do condomínio) das outras”, ponderou a ministra, ao se posicionar a favor do direito da moradora de usar as áreas de lazer. O ministro Marco Buzzi completou: “Para usar essa piscina, esse direito todo, alguém tem de pagar a conta.”
Polêmica
Não é de hoje que o tema causa dúvidas entre síndicos e condôminos. Segundo Angélica Arbex, gerente de Relacionamento com o cliente da Lello Condomínios, há um consenso de que cortar a água ou restringir o acesso aos elevadores dos moradores inadimplentes, por exemplo, são práticas proibidas. “A Justiça já entendeu no passado. Se o condômino recorrer nesses casos, vai ganhar”, diz.
A controvérsia surge, principalmente, nas áreas comuns pagas. “Se o condômino não tem recursos para pagar sua cota condominial, terá para pagar o salão de festas? A maioria dos condomínios impede o aluguel de áreas (pelo inadimplente). E muitas convenções já dizem isso.
“O primeiro dever do condômino é pagar o rateio de despesa de condomínio. Se, insistentemente, ele não paga, há um abuso”, diz o advogado Jaques Bushatsky, especialista em Direito Imobiliário. Segundo ele, o imbróglio tem sido resolvido por outra via. “Começou-se entender que esse comportamento é antissocial e a se impor contra ele a multa por ser condômino antissocial, que é 10 vezes maior (do que a aplicada pela inadimplência em si)“.
Casos que chegam à Justiça, como esse resolvido pelo STJ, são pouco comuns segundo os especialistas. Para eles, muitas querelas podem e devem ser resolvidas sem acionar a Justiça. “A grande maioria dos casos se resolve de maneira amigável. O STJ tem mais com o que se preocupar”, diz Angélica.
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