COTIDIANO

Ritmo de crescimento de assassinatos desacelerou após desarmamento

País freou alta de mortes após estatuto; decreto de Bolsonaro flexibiliza posse de armas

Publicado às 8h50

Folha de SP

O Brasil é recordista absoluto de homicídios, número que cresce ano após ano. Dados do Ministério da Saúde, no entanto, mostram que o ritmo de crescimento de assassinatos no país desacelerou depois que entrou em vigor o Estatuto do Desarmamento, em 2004.

Revisões de estudos publicados nos últimos anos apontam para uma predominância de estudos científicos que apontam uma correlação entre a disponibilidade de armas e o aumento da violência criminal.

Entre 1996, primeiro ano da série histórica do Datasus, sistema de dados sobre saúde, e 2003, ano em que foi publicado o Estatuto do Desarmamento, a média de crescimento anual da taxa de mortes por agressão (que leva em conta o tamanho da população) foi de 2,22% ao ano. De 2004 em diante, após a restrição do acesso às armas, a média de crescimento anual foi para 0,29% —uma queda de 87%, portanto.

Apesar de, na média, o crescimento ter ficado em 0,29% depois do Estatuto do Desarmamento, a taxa variou consideravelmente ano a ano, com aumento expressivo a partir de 2012.

Há duas posições antagônicas entre os que são pró e os que são contrários à flexibilização nas regras do armamento. Por um lado, favoráveis a normas menos restritas defendem que isso desestimula o crime, uma vez que o criminoso calcula que vítimas armadas poderiam reagir.

Por outro lado, pesquisadores defendem que a liberação das armas teria um efeito contrário: maior disponibilidade de armas de fogo leva ao avanço de conflitos com mortes. Além disso, o preço das armas cairia, uma vez que elas ficariam mais baratas do mercado paralelo e que seria mais fácil se apropriar de uma. É nessa direção em que aponta a maioria dos estudos científicos.

O economista Thomas Conti, professor do Insper, analisou estudos e revisões publicadas entre 2012 e 2017. Das 10 revisões da literatura científica publicadas no período em periódicos com revisão de pares, 9 concluíram que a literatura empírica é favorável à relação de aumento da quantidade de armas e aumento de assassinatos. E de 41 estudos empíricos analisados, 34 negam a hipótese de que armas reduzem a criminalidade.

Conti diz, à Folha, que a maior parte dos estudos analisados são americanos, país que tem maior tradição de publicação de dados. “No Brasil, a gente não tem dados confiáveis de todos os estados, e ficamos restritos só a homicídios”, diz. Ainda assim, as pesquisas feitas no Brasil também apontam à mesma conclusão, diz.

Um estudo coordenado pelos pesquisadores Daniel Cerqueira e João Manoel de Pinho Mello aponta que o Estatuto do Desarmamento poupou pelo menos 2.000 mortes entre 2004 e 2007 só nos municípios paulistas. A análise mostra que, nas cidades onde houve mais apreensões de armas depois do estatuto, houve queda proporcional no número de assassinatos —impacto que não ocorreu em crimes violentos que não envolviam armas.

A diminuição de armas, segundo o estudo, aumentou as lesões corporais dolosas, apontando que criminosos deixaram de usar armas de fogo para usar instrumentos menos letais.

Cerqueira, que é conselheiro do Fórum Brasileiro da Segurança Pública, aponta que outras teses de doutorado da mesma época, com metodologias diferentes, apontam a resultados similares. “Todos os trabalhos chegam ao mesmo resultado, mais armas, mais crimes.”

Para o economista, o aumento posterior de homicídios, mesmo com o estatuto do desarmamento, é fruto de uma série de flexibilizações que ocorreram desde meados de 2007, além de uma crise nacional no sistema prisional e da guerra de facções criminosas que atinge o país nos últimos anos.

Os dados do Ministério da Saúde mostram que cerca de 70% dos assassinatos no país são cometidos com armas de fogo.

A lei federal 10.826 de 2003, também chamada de Estatuto do Desarmamento, estabelece uma série de restrições à posse de armas: ter mais que 25 anos, residência fixa, não ter sido condenado nem responder a inquérito ou processo criminal, comprovar capacidade técnica e psicológica e comprovar a necessidade do equipamento.

O presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), publicou decreto nesta terça (15) em que flexibiliza as regras de posse de armas.  A facilitação do posse de armas é uma promessa de campanha de Bolsonaro.

O texto estende o prazo de validade do registro de armas de 5 para 10 anos e retira a obrigatoriedade de que um delegado da Polícia Federal autorize a posse. Há ainda uma limitação de compra de quatro armas por pessoa, com exceção daqueles que comprovarem a necessidade de possuírem uma quantidade maior, alegando, por exemplo, número de propriedades.

Os dados do Ministério da Saúde mostram que, em 2003, 51.043 pessoas foram assassinadas no Brasil. Em 2004, o número caiu para 48.374, interrompendo um ciclo de crescimento que vinha desde 1996.

Só em 2009 o Brasil voltou a ter um número de homicídios maior que em 2003, ano da publicação do estatuto. Foram 51.434 naquele ano. E, daí em diante, não baixou mais. Em 2016, 61.143 pessoas foram mortas no país, segundo o Datasus.

A taxa de mortes por agressão em 2016, dado mais recente disponibilizado pelo Ministério da Saúde, foi de 29,66 assassinatos a cada 100 mil habitantes.

Se o ritmo de crescimento tivesse se mantido ao mesmo do período pré-2004, de 2,22% ao ano, a taxa de homicídios neste ano estaria em 40,71 assassinatos a cada 100 mil habitantes, o que representaria 83.905 assassinatos no total, segundo simulação feita pela Folha.

O decreto assinado por Bolsonaro incluiu ainda um trecho que anistia as pessoas que atualmente estão com a autorização para ter armas vencida e o registro passa a ser automaticamente renovado.

Há ainda a exigência de que pessoas que tenham crianças, adolescentes ou pessoas com deficiência mental em casa apresentem uma declaração de que a residência possui cofre ou local seguro com tranca para armazenamento.

 

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