Publicado às 9h10
Crônica escrita por Edison Veiga para a Agência Estado
Se eu pudesse, inventaria uma credencial de não-jornalista. Ou, ao menos, um cartãozinho que atestasse que, nos momentos de folga, eu estou despido da função.
Aqui não me refiro aos impertinentes comentários de qualquer churrasco de fim de semana, àqueles que chegam achando que a gente sabe quem vai ganhar a próxima eleição ou que iremos confirmar uma teoria da conspiração escabrosa envolvendo um ator famoso ou no mínimo temos alguma história de bastidor impublicável para contar entre uma cerveja e outra.
Digo isso porque eu gosto de fotografar. E aí que, lá pelos idos de 2010, 2011 no máximo, resolvi aproveitar um dia livre para brincar de ser fotógrafo. Escolhi o Parque Villa-Lobos, menos por qualquer razão estética do que pela proximidade geográfica de minha casa.
Clique, uma bonita flor. Clique, bicicletas. Clique, o contraste entre a favela do outro lado do Rio Pinheiros com os prédios espelhados deste lado de cá. Clique, uma árvore. Clique, um bonito orquidário.
– Alto lá, senhor! – um segurança me abordou. – O senhor tem autorização para fotografar aqui?
Gaguejei. Enrubesci. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, admitir que não, não tinha autorização alguma, ele já veio me perguntando onde eu ia publicar aquelas fotos. Apontou para as lentes que eu carregava como que insinuando que eu só podia ser jornalista, estava claro.
– Mostre-me a sua identificação profissional.
Pensei em dizer que não era jornalista, afinal, carteirinha eu nunca tive mesmo. Mas estaria mentindo, posto que era – e sou – jornalista, ainda que em justo período de folga. Sempre aprendi que é feio mentir. Sobretudo para uma autoridade.
Já me sentindo no meio de um enredo de Kafka, apenas respondi:
– Essas fotos não serão publicadas em nenhum lugar, são para fins pessoais. Eu não sou fotógrafo. Faço isso por hobby.
O homem olhou-me de alto a baixo. Disse que tudo bem, que eu poderia levar as fotos conseguidas. Mas que não estava autorizado a publicá-las em veículo de imprensa algum. E, importante, que era melhor eu guardar o equipamento na mochila e não voltar a registrar cenas do bucólico parque paulistano.
Lembrei-me disto outro dia quando vi um post do meu amigo Beto Muniz. Além de escritor, corretor de imóveis e motorista, Beto é exímio fotógrafo de aves. A imagem acima é de sua autoria. Foi feita clandestinamente, longe dos olhos dos vigilantes, no Parque Cidade de Toronto.
– Deu trabalho – contou-me. – Aves geralmente são difíceis de fotografar porque não param, não fazem pose, não colaboram. Quando estamos clicando de forma clandestina, como acontece na maioria dos parques, fica mais difícil ainda.
Vivemos na era da imagem. Mas os parques, mesmo públicos, estão na contramão. Vivemos na era da imagem e parece que os gestores não entenderam que fotos dos parques, publicadas em redes sociais, têm o poder de multiplicar os olhares para eles. (Ou entendem e é por isso mesmo que mandam seus seguranças encrencarem com qualquer um que esteja portando uma câmera com cara de profissional?)
– Este socozinho não parava quieto – continuou dizendo Beto. – Eu, clicando, tentando fazer a foto definitiva. E o segurança se aproximando…
O Beto me indicou um grupo no Facebook, o “(Não) É Proibido Fotografar“. Até a última segunda, eram 1229 membros. Ou melhor: éramos – eu entrei para a comunidade há uma semana.
– Vários parques brasileiros proíbem a entrada de amadores com câmeras grandes, e todos têm que obedecer uma portaria que cobra uma taxa alta e irreal para a fotografia comercial, mesmo que a foto traga grande divulgação para o parque – diz o texto de apresentação da comunidade. – Já não passou da hora de mudar isso? A natureza brasileira precisa de divulgação. Fotos bonitas circulam pelas redes sociais e chamam a atenção de milhares de pessoas. Fotografia devia ser incentivada, não complicada.
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