Publicado às 12h30
Folha de SP
“O Touro Ferdinando”, animação americana que estreia nesta quinta (11), parece feita sob encomenda para os tempos de bom-mocismo no cinema: traz uma trama sobre aceitação do diferente e faz refletir sobre as touradas e até sobre o consumo de carne.
É coincidência, diz o diretor do longa, o brasileiro Carlos Saldanha. “O mundo foi mudando enquanto a gente fazia esse filme, e calhou de ele ser lançado nesta época.”
Diretor das franquias “A Era do Gelo” e “Rio”, Saldanha foi buscar o estofo num livro infantil de 1936, publicado no Brasil pela editora Intrínseca. A obra dos americanos Munro Leaf e Robert Lawson narra a história de um touro que “gostava de ficar sentado, bem quietinho, cheirando as flores”, enquanto os demais bezerros viviam dando “cabeçadas uns nos outros.”
Nos Estados Unidos, o bovino pacifista que é diferente de todos os outros entrou involuntariamente para o cânone dos personagens com subtexto gay. O filme também permite essa interpretação.
Na animação de Saldanha, Ferdinando é o bicho sensível que não quer conquistar a glória nas touradas. Acredita que dá para ser “campeão sem ter que brigar”, ainda que o pai insista que, pelas “leis da natureza, touro é touro”.
“Homossexuais se identificavam com o livro porque era a única coisa que falava sobre ser diferente”, diz o diretor à Folha. “Mas o filme está num contexto maior: vale para os que têm essas questões e também para todos os que pensam diferente da maioria.”
Enquanto os outros bezerros se batem em mostras de virilidade, Ferdinando foge do curral e é acolhido por uma menininha que incentiva a sua paixão pelas flores.
Já touro crescido, o personagem será forçado a enfrentar seu destino, a deixa para o filme questionar as touradas na Espanha e a indústria da carne.
RIVALIDADE COM PIXAR
Mas Saldanha diz que a obra não levanta bandeiras: “O filme adota a perspectiva do touro. Eu até como carne”.
O futuro de seu ganha-pão, porém, é incerto. A Blue Sky, empresa de animação de que o diretor faz parte, foi vendida à Disney no acordo que arrematou divisões da Fox.
Isso significa que seus filmes agora pertencem ao mesmo conglomerado que também produz as animações da Pixar. Essa concorrente direta, responsável por filmes como “Toy Story”, lançou recentemente “Viva”, título com o qual “O Touro Ferdinando” está disputando público e que deverá ser seu rival no Oscar.
“Nem a gente sabe direito como será o futuro. Fomos pegos de surpresa”, diz o diretor. “Espero que mantenham a nossa identidade e a nossa independência”, completa.
Por “independência”, o brasileiro se refere à liberdade que ele diz terem os diretores da Blue Sky de propor os próprios projetos, como foi com “Ferdinando”, ideia que acalentava havia sete anos.
“Nosso filme não vem de uma fórmula preestabelecida, e eu o fiz à minha maneira, sem seguir nada. Os filmes da Disney são bons, mas eles têm todo um outro estilo que é deles. E nós temos o nosso.”
BRASILIDADE
Diferenças de estilo de trabalho à parte, o novo filme de Saldanha é aquele que mais tem condições de fazer frente às produções da Pixar. Está mais amadurecido, tanto em narrativa quanto em visual, do que, por exemplo, “A Era do Gelo” (2002), sua estreia –ao lado de Chris Wedge.
Carioca de 52 anos, Saldanha desenvolveu todo o seu trabalho em animação nos EUA, onde vive há 30 anos.
Do Brasil, cujas cores ele retratou em “Rio” (2011) e “Rio 2” (2014), diz acompanhar a efervescente produção de animações, sucesso em festivais do gênero. Afirma só que falta uma indústria, “para dar continuidade aos projetos”.
Saldanha conta que despeja brasilidade mesmo em filmes que não se passam nas paragens de cá, como é o caso da Espanha de “Ferdinando”. “O lado emocional que há nos meus filmes é bem brasileiro. Acho que é por isso que eles fazem mais sucesso fora dos Estados Unidos. Eles têm sempre um quê estrangeiro.”
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