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Indígenas do Jaraguá cantam rap em guarani para defender causa indígena

Wera e Xondaro usam a música para lutar pela demarcação de terra da aldeia indígena Teoka Pyal, no Jaraguá. G1 mostra histórias e curiosidades na semana do aniversário de SP

Publicado às 10h15

G1 São Paulo

Em busca de chamar a atenção para causas como a demarcação de terras, jovens indígenas que são lideranças da aldeia Teoka Pyal, na região do Pico do Jaraguá, na Zona Norte de São Paulo, cantam rap em guarani e português.

Com letras de cunho político e social, os índios Hebert, o Wera, (pronuncia-se ‘Verá’ e significa “trovão”, em guarani), de 23 anos, e Jefersom, o Xondaro (“guerreiro”), de 19 anos, conciliam a vida na aldeia com agenda de shows e manifestações em atos em São Paulo e Brasília.

A aldeia Teoka Pyal foi fundada há 20 anos pela avó de Wera, a primeira cacique mulher da tribo. Atualmente vivem 700 índios no espaço de 1,3 hectare, que fica próximo ao Parque Estadual do Jaraguá. Eles lutam pela demarcação de mais 513 hectares.

Aldeia indígena do Jaraguá, na Zona Norte de São Paulo. Foto: TV Globo/Reprodução

Os dois rappers falaram com o G1 sobre a militância através da música, de dentro do parque, no Pico do Jaraguá – mesmo local onde gravaram o clipe da música “Pemomba Eme” e considerado o local mais alto da capital, com 1.135 metros de altura.

Na ocasião da gravação do clipe, em 2017, o parque do Jaraguá foi tomado e ficou ocupado pelos indígenas durante três dias. O ato foi uma manifestação contra uma decisão do governo federal de anular a demarcação de terras indígenas na região. Na época, o governo de São Paulo já tentava conceder o Parque do Jaraguá, entre outros, à iniciativa privada.

Wera exibe tatuagem com seu nome indígena, que também é seu nome artístico. Foto: Celso Tavares/G1

“A gente estava querendo um diálogo e teve que invadir esse espaço aqui da torre do Pico para que a gente fosse ouvido. Como sempre eles não querem ter um diálogo. Aí eu tive a ideia de fazer o videoclipe e registrar esse ato. Ficamos três dias aqui na resistência sem água, sem comida, enfrentando o calor (do dia) e o frio de madrugada, helicóptero da polícia passando em cima da gente, mandaram exército e a gente teve que segurar a bronca lá no portão”, relembra Wera.

Durante o ato, os índios desligaram as antenas e deixaram 600 mil pessoas sem televisão, além de afetar o transporte público. São três equipamentos: enquanto o maior transmite sinais de celular e TV, os outros dois são usados pelo Exército e pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).

A gente chegou e colocou uma faixa lá em cima ‘Jaraguá é guarani’ e nosso parceiros fizeram gravação com drone. Esse vídeo viralizou bastante porque a cidade toda parou, o metrô, os sinais de rádio de televisão, tudo ficou parado. Ninguém entendeu nada, mas era a nossa luta né, nosso modo de lutar de mostrar a nossa resistência
— Xondaro

Na letra da música, os rappers cantam em guarani e em português versos como: “Eu cansei de chorar/ As histórias do passado faz eu sangrar/ Mais uma criança morreu na madrugada/ Cadê a solução pra mortalidade infantil?/ Sou nascido pra lutar (…) Em 1500 teve a invasão/ E até hoje é bomba no meus irmão (sic)”.

Em 2017, índios da etnia Guarani participaram de um protesto cultural na aldeia Itakupe, dentro da reserva do Jaraguá. Foto: Adriana Toffetti/A7 Press/Estadão Conteúdo

O rap

A música tem sido o meio que MC Wera e o rapper Xondaro, que integra o grupo Oz Guaranis, encontraram para a luta e a resistência das causas indígenas.

“O rap surgiu na aldeia em 2014 durante uma reintegração de posse. Antes disso a gente já gostava de rap, já tinha outros artistas que inspiravam a gente, mas nunca imaginamos um dia cantar a nossa própria música como uma forma de luta”, conta Jefersom. Segundo ele, a primeira música que surgiu foi “Conflitos do passado”.

Na chegada daqueles portugueses/Roubaram nossas terras/ Mataram meus parentes/ E aqui estamos, jovens conscientes/ Falando pra vocês que podia se diferente/ Sem guerra e sem luta queremos só viver/ Será que é tão difícil começar a entender/ Queremos a terra pra sobreviver/a cultura e os costumes queremos só manter (sic)
— da música ‘Conflitos do passado’, do grupo Oz Guaranis

Segundo Wera, uma de suas referências desde o início da carreira é o rapper Sandrão RZO, atualmente seu parceiro musical.

“Meu primeiro contato com o rap foi dançando break com nove anos de idade, a gente escutava muito Sandrão RZO e se identificava com o que eles falavam, nos víamos naquela mesma situação de povo oprimido e ao mesmo tempo a gente percebeu que não tinha ninguém que falava dos indígenas especificamente, da causa indígena, então a gente teve a ideia de montar um grupo”, conta Wera.

De lá para cá. Wera já abriu show de Criolo, e em 2018 foi pra Frankfurt, na Alemanha. “Tivemos a oportunidade de levar nosso rap pra fora do Brasil, quebrar fronteiras”, orgulha-se ele. No último dia 28, Wera e Sandrão lançaram a música “Índios do Vulcão”, já disponível em todas as plataformas de streaming.

Além disso, Wera tem se dedicado a construir um estúdio na aldeia. “A ideia é trazer jovens de outras tribos aqui para incentivar o trabalho com música e fazer essa troca”, planeja ele, que tem construído o espaço com madeira de pau a pique e barro.

Xondaro e Wera no clipe da música “Pemomba Eme”. Foto: Reprodução/YouTube

A vida na aldeia

Segundo Wera, o dia a dia em uma aldeia indígena é parecida com a rotina de um não indígena.

“A gente acorda cedo, toma um café vai procurar algo para se ocupar, trabalhar, às vezes, a gente faz um trabalho em conjunto porque somos uma comunidade. Ninguém limpa a aldeia sozinho, é todo mundo junto. Às vezes, almoça a aldeia inteira, faz comida para todo mundo tem a reza, tem a dança, a gente, às vezes, vai atirar um arco e flecha… Não é mais como antigamente que a gente ia pra longe caçar, ficava um mês fora de casa e depois trazia o alimento para toda a comunidade”, diz ele, que já trabalhou como auxiliar administrativo em um posto de saúde que atende a comunidade indígena.

Sandrão RZO e Wera posam com a antena principal do Pico do Jaraguá. Foto: Celso Tavares/G1

Wera tem dois filhos. Em casa, ele fala em guarani e em português com os dois. “A gente acredita no futuro das crianças, talvez elas sejam lideranças também e para você se comunicar com as autoridades precisa saber falar formalmente”, diz ele.

Xondaro tem uma filha. De acordo com ele, é comum os indígenas terem filhos cedo. “Aos 16 já somos considerados adultos, então com 8, 9 anos, já estamos aprendendo a nos virar”.

De acordo com Xondaro, a maioria dos integrantes da aldeia vive da venda de artesanato.
Falam que a gente ganha benefício do governo, mas isso é uma grande mentira, a gente não recebe ajuda, a gente luta pra sobreviver. Muitas pessoas lá dentro da aldeia sobrevivem fazendo artesanato e com um pouco que vendem eles consegue comprar alimentos
— Xondaro

A diversão dos jovens na aldeia costuma ser na própria aldeia. “O que eu gosto mesmo de fazer quando eu tenho tempo livre assim é passar um tempo com a minha filha”, diz Xondaro. “A gente também tem um campinho de futebol e nossas brincadeiras da cultura”, relata ele, que é corintiano e usava uma pulseira com o símbolo do time do coração. 

O rapper Wera fuma seu cachimbo com fumo de corda durante sessão de fotos no Pico do Jaraguá. Foto: Celso Tavares/G1

Saneamento básico e abandono de animais

Wera e Xondaro dizem que além da demarcação de terras, o saneamento básico e o abandono de animais são os maiores problemas da tribo Teoka Pyal.

Segundo eles, há saneamento básico, mas falta manutenção. “É muito triste ver uma mãe e as crianças passando fome porque muitas vezes não tem água para fazer comida”, diz Xondaro. “Não tem manutenção da rede, a gente cobra, mas não adianta”, completa Wera.

De acordo com Xondaro, o problema com animais na aldeia conta com a ajuda de algumas ONGs de proteção animal. “As pessoas vêm e jogam filhote de cachorro e de gato na rua e eles entram para a aldeia. A gente tem pouco espaço, não tem nem como plantar mais e a gente ainda divide o pouco que temos com esses animais que são abandonados”, diz ele.

Além do trabalho com música, Xondaro é professor de guarani e está se formando no curso de medicina do Instituto Tupi-Guarani. “Quando uma criança fica doente na aldeia, a gente não procura hospital e posto de saúde, a gente fala com o pajé e ele dá o nosso próprio remédio. A partir daí ele vai saber se é preciso levar (ao médico) ou não. Na cultura, a gente tem nossos remédios tradicionais. As pessoas mais antigas conhecem muito, mas a gente sofre preconceito pelos não-indígenas”, explica.

Jefersom Xondaro, rapper que canta em guarani. Foto: Celso Tavares/G1
Jefersom Xondaro. Foto: Celso Tavares/G1

O preconceito

Wera diz que sente descaso com a causa indígena não só por parte dos governantes, mas também do “homem branco” em geral.

“A gente quando sai da Teoka já é mal visto, mal falado, esse estereótipo de que a gente indígena anda pelado e tal… Quando vai pra fora (da aldeia) muito motorista de ônibus não para no ponto, muita pessoa olha com raiva, fala mal, acha que a gente não entende enquanto a gente está entendendo tudo. Eles falam: ‘Olha esse indinho como ele tá sujo’. A gente sempre teve contato com a terra e a terra não é suja. O que é sujo é essa poluição do carro que prejudica o meio ambiente”, diz ele.

Se hoje em dia os meninos rappers são orgulho da aldeia, no começo não foi bem assim.

“Eu tive bastante dificuldade no começo quando o rap indígena surgiu na aldeia. A gente passou por preconceito até mesmo dos nossos parentes, que diziam que a gente não podia cantar o rap porque eles tinha medo que a gente esquecesse a nossa língua, a nossa cultura, a nossa raiz, por ter contato com o não-indígena. Mas aí, com o passar do tempo, eles foram vendo que o rap de alguma forma estava dando visibilidade para a aldeia, então hoje o rap é respeitado”, diz Xondaro.

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