REGIONAL

Possível nova sede da Ceagesp abriga favela e já teve lixão

Associação diz que Porto da Areia tem cerca de mil famílias e destino incerto

Publicado às 9h15

Folha de SP

Maria Valdelina de Souza, 34, mora na comunidade Porto de Areia há 11 anos. Mãe de dois, ela lembra que o local situado perto de uma lagoa em Carapicuíba, na Grande São Paulo, não tinha luz e só recebia água à noite.

“A gente se banhava acendendo o fogo”, diz. “Eu vim do Norte. Quando cheguei era muito feio, morei na lama. Construímos o primeiro barraco de madeira e agora conseguimos um de blocos. A região melhorou muito em vista do que era, porque antes tinha rato, escorpião, barata”, relata.

Valdelina é uma das moradoras da região que abriga mil famílias, segundo a associação local de moradores (a estimativa da prefeitura, de 2008, contava 250).

A comunidade nasceu entre um lixão e uma antiga mina. Apesar de ter moradores há quase 20 anos, é nessa área que tem sido considerada a instalação da Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo).

O tema é debatido pelo governo do estado e pela Prefeitura de Carapicuíba. Os moradores, porém, não foram informados que é lá que a unidade, hoje na Vila Leopoldina (zona oeste da capital), pode ser instalada. Os responsáveis pelo projeto tampouco esclarecem se ele afetará moradias.

A proposta de levar a Ceagesp a Carapicuíba foi apresentada em 2018. Concorre com um projeto em Santana de Parnaíba, na Grande São Paulo, e outros dois na capital.

A Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo diz que ainda não há definição do local, e que o governo sondará o mercado.

Quem elaborou a proposta na região da Porto de Areia foi a Fral Consultoria, que atua na recuperação ambiental da região. Segundo a empresa, o novo entreposto ocuparia 1.200m², e as obras levariam de três a cinco anos.

Questionada sobre os moradores, a assessoria de imprensa da Fral disse que “a realocação das famílias está prevista no plano de recuperação e reurbanização da cava de Carapicuíba” e que o terreno é privado, pertencente a famílias de antigos mineradores.

A posição, no entanto, não é a considerada pelas lideranças comunitárias da região.

A Agência Mural teve acesso a documentos que mostram que a região da Porto de Areia foi alvo de processo de reintegração de posse, proposto pela Cohab (Companhia Metropolitana de Habitação do Estado de São Paulo) e a Prefeitura de Carapicuíba, num caso iniciado em 1988.

Em março de 2018, a Justiça considerou a ação improcedente, dando direito aos moradores de permanecerem.

Procurada, a Cohab disse não ter relação com a área.

A entrada da favela Porto de Areia se dá por um acesso ao lado dos trilhos da linha 8-diamante da CPTM que já foi palco de acidentes. Cachorros correm pela terra e meninos jogam futebol em um campo improvisado. Há cavalos em um estábulo, e perto da lagoa surgem até capivaras.

Para a faxineira Natalina de Oliveira Costa, 32, um dos problemas ainda é a irregularidade no fornecimento de luz e da água. O outro é o preconceito contra quem mora na favela.

“Eu me sinto uma zé-ninguém aqui, porque não pago água nem luz. A gente pega luz dos outros, o povo é que paga pela gente. A gente gostaria que viesse uma luz, uma água para gente pagar direitinho”, afirma. “O que eu desejo do fundo do meu coração é uma moradia decente.”

A prefeitura propôs asfaltar a rua principal da favela, o que vem gerando controvérsia.

“Querem fazer o asfalto, mas querem cinco metros de rua e dois de calçada. Muitas famílias vão ter que cortar os barracos pela metade, e a prefeitura não liga pra isso”, afirma Gleide Faria dos Santos, 49, líder comunitária da região.

Em nota, a Prefeitura de Carapicuíba disse que “as famílias não serão afetadas, de acordo com o projeto”. Os detalhes não foram revelados. Parte do terreno está no município vizinho, Barueri, cuja prefeitura não respondeu sobre ações.

Mapa de Porto de Areia, em Carapicuíba
Mapa de Porto de Areia, em Carapicuíba. Foto: Editoria de Arte/Folha de SP

As famílias dizem que nas últimas semanas água e luz têm sido cortadas, o que associam à pressão para aceitarem o asfalto. Asfaltar facilitaria o acesso de caminhões para o aterramento da lagoa.

O que hoje é conhecido como lagoa de Carapicuíba, ao lado da comunidade, é na verdade uma cava de mineração que foi inundada com águas do rio Tietê. Ela já chegou a medir 62.200 m², com 10,4 m de profundidade média e 22 m de profundidade máxima.

Os registros mais antigos da região datam da década de 1960, quando mineradoras realizavam extração de areia para o uso na construção civil.

No início dos anos 1970, obras do Daee (Departamento de Águas de Energia Elétrica) causaram o rompimento das margens do rio, fazendo com que a cava fosse inundada pelo Tietê. Nascia assim, poluída, a lagoa de Carapicuíba.

Depois, a Prefeitura de Carapicuíba adotou o leito do Tietê para depositar lixo doméstico. O lixão de Carapicuíba virou o maior depósito de dejetos da região metropolitana de São Paulo a céu aberto.

Entre a cava de mineração e o lixão, catadores de recicláveis criaram, no início dos anos 2000, a Porto de Areia.

Hoje o Daee coordena o processo de recuperação ambiental e inserção urbana do local, que deve beneficiar, segundo o órgão, a área de 155 hectares delimitado pelo leito do Tietê ao norte, o trecho oeste do Rodoanel Mário Covas a leste, o trilho da CPTM ao sul e vias urbanas e o ramal ferroviário a oeste.

São previstos o preenchimento da cava, a recuperação da área do lixão e o afastamento de esgotos sanitários no entorno da lagoa.

Estima-se que 40 milhões de m³ de sedimento já foram depositados para aterrar a cava, parte disso vinda do Tietê e do Pinheiros, e o restante de outras drenagens e piscinões.

O plano de recuperação também fala da remoção das habitações subnormais, com reassentamento das famílias. Para essa última fase, não há previsão. Tampouco os moradores do local foram avisados.

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