COTIDIANO

Pista cede, fecha marginal de SP e deve afetar trânsito mesmo após o feriadão

Gestão Covas diz ainda não saber causa de acidente na Pinheiros, 2ª via mais movimentada da cidade

Publicado às 9h

Folha de SP

Um viaduto da pista expressa da marginal Pinheiros, a 500 m da ponte do Jaguaré, no sentido Castello Branco, cedeu cerca de dois metros na madrugada desta quinta (15) em São Paulo, provocando a interdição da via e longas filas que podem se estender pelos próximos dias.

A pista foi totalmente bloqueada por volta das 4h, no começo do feriado da República, e deverá permanecer assim pelo menos até terça (20), Dia da Consciência Negra, último do feriadão prolongado.

Ainda não há previsão de reabertura total mesmo depois. Segundo a gestão Bruno Covas (PSDB), estudos e obras de escoramento serão feitos no período para avaliar a situação.

É provável que a interdição, pelo menos parcial, se estenda para além do feriadão, implicando em complicações maiores no trânsito a partir de quarta-feira (21).

Covas diz que trabalha com a expectativa de liberação parcial da pista expressa após as intervenções iniciais de escoramento nos próximos dias.

A marginal Pinheiros é a segunda via mais movimentada de São Paulo, atrás apenas da Tietê, e liga a cidade a diferentes rodovias e avenidas. Em apenas uma hora, no pico de tráfego, 13 mil veículos passam pelas oito faixas da marginal, incluindo a pista local. Cinco dessas faixas estão agora interditadas.

Em um dia comum, trafegam 450 mil veículos nos dois sentidos da marginal Pinheiros.

O viaduto que cedeu passa sobre os trilhos da linha 9-esmeralda da CPTM. O local é rota de acesso à rodovia Castello Branco e próximo ao shopping e ao parque Villa Lobos.

A gestão Covas diz ainda não saber os motivos que levaram a estrutura a desabar —depois surgiram ainda fissuras. O prefeito afirma que não havia indícios de que a construção poderia ceder.

Embora ela não estivesse na lista de pontes e viadutos que requerem reforma mais urgente na cidade, especialistas ouvidos pela Folha avaliam que um programa de manutenção rigoroso provavelmente evitaria essa situação.

A interdição provocou congestionamentos quilométricos na marginal, com filas que chegaram até a av. Professor Frederico Hermann Júnior, entre as pontes Eusébio Matoso e Cidade Universitária.

“Em termos de trânsito, as principais medidas já foram tomadas: o fechamento da pista expressa e a utilização da pista local. Todo o viário interno do bairro está sendo estudado para conseguir fazer uma readequação do fluxo enquanto houver interdição”, disse João Octaviano Machado, secretário de Transportes.

A CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) indicou caminhos alternativos para os motoristas, incluindo rotas como a Brigadeiro Faria Lima.

O estudo do viaduto e obras de escoramento começaram nesta quinta-feira. O escoramento ocorre com a colocação de estruturas tubulares de metal sob o trecho colapsado, que então é erguido e nivelado, e tem como propósito aliviar o peso sobre a viga de sustentação.

“A gente espera até o dia 20 concluir o processo de ter um novo apoio, porque ali agora há um sobrepeso na viga, e concluir o estudo do que aconteceu e de qual será a obra de engenharia necessária para poder recuperar a área e devolvê-la à população”, disse Covas.

O prefeito ressaltou que a obra não estava na lista de 33 pontes e viadutos que, na avaliação da prefeitura, requerem intervenção prioritária.

A prefeitura é alvo de cobranças do Ministério Público há mais de uma década para a reforma de estruturas do tipo.

A licitação para a contratação de empresa para fazer os projetos de requalificação e laudos técnicos desses 33 pontos prioritários só foi lançada no último dia 9 —antes, chegou a ser suspensa pelo Tribunal de Contas do Município.

Depois dessa etapa, ainda será preciso fazer contratos para as próprias obras.

Não houve registro de feridos com gravidade na ruptura do elevado de madrugada. Alguns motoristas sofreram pequenas escoriações.

O carro do analista de sistemas Ronaldo Andrade, 42, foi um dos mais danificados pelo episódio. Ele tinha marcas no pescoço, devido ao cinto de segurança, e se queixava de dores nas costas. Andrade esperou cerca de dez horas até a chegada do guincho.

“Estava na marginal e de repente os dois carros que estavam na minha frente sumiram. Não entendi nada na hora. De repente, parecia um armagedom. Decolei com o carro. O carro bateu de frente no solo e o cárter estourou. Voou óleo nos pneus, o carro derrapou e eu bati na mureta lateral”, conta ele.

Além do Honda CRV de Ronaldo, outros quatro veículos caíram. Apenas um motorista de uma BMW teve um ferimento aparentemente mais relevante: um corte no supercilio ocasionado pelo acionamento dos airbags. “A prefeitura não conversou com a gente. A polícia falou para buscarmos boletins de ocorrência e a partir deles procurar o tribunal de pequenas causas com três orçamentos”, disse.

Veja abaixo perguntas e respostas sobre a conservação e inspeção de pontes e viadutos no Brasil. 

Qual é a estrutura da malha viária brasileira? 
Segundo dados da CNT (Confederação Nacional dos Transportes), existem no país 1.735.621 km de malha rodoviária, sendo 3% disso (54.972 km) de pontes ou viadutos. Não há um levantamento oficial que consolide as informações de malhas viárias de todos os municípios.

Que tipo de problema é comum nessas estruturas?
A Pesquisa CNT de Rodovias 2017 apontou que 64% das pontes e viadutos em rodovias não têm ou acostamento ou defensa (guard-rail) completos, situação que agrava os riscos aos usuários. Em 10% dos casos, não há as duas coisas (nem acostamento nem defensa). Os dados contabilizam apenas estradas e dizem respeito a esses recursos de segurança na superfície da ponte, sem levar em conta outros problemas estruturais.

Há alguma norma que estabeleça regras para inspeção, como periodicidade?
Sim, a norma técnica 99452/2016 especifica diretrizes a se cumprir para estruturas de concreto como pontes, viadutos e passarelas. Segundo Ciro Araújo, engenheiro do IPT, existem as inspeções rotineiras, feitas pelos órgãos públicos responsáveis, que avaliam a conservação e incluem uma nota de classificação. Estas, diz, ocorrem “no máximo” uma vez por ano.

Ele afirma que “se a nota estiver boa pode até prolongar o prazo para a realização da inspeção especial”, que ocorre a cada cinco anos e é mais detalhada. Há ainda inspeções extraordinárias, como a que ocorreu em 2016 no viaduto Santo Amaro, que pegou fogo após acidente.

Que diagnóstico é feito pelo governo federal? 
O Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), vinculado ao Ministério dos Transportes, hoje sob gestão Michel Temer (MDB), tem um programa para cuidar das cerca de 8.000 pontes e viadutos sob sua jurisdição. O próprio órgão detectou que 1.712 das estruturas (21%) necessitam de ajustes. Destas, 920 foram consideradas prioritárias.

O que será feito a partir daí?
A meta é ter em 2018 um plano de trabalho para a manutenção de 372 (desde limpeza e pintura até a recuperação de elementos estruturais) e para a reabilitação de 27 (adequação a novas necessidades, como aumento da capacidade de carga ou ampliação de dimensões).

E a situação específica na cidade de São Paulo? 
Na capital paulista, a Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras, hoje sob gestão Bruno Covas (PSDB), diz realizar vistorias periódicas em 185 pontes e viadutos. Um estudo da pasta em 2017 levantou a necessidade de manutenção para 33 (18%), mas as licitações para as obras foram suspensas após cobranças de ajustes nos processos ​​feitas pelo TCM (Tribunal de Contas do Município).

Quem cuida de pontes e viadutos no país?
A atribuição de fiscalizar e manter a integridade dessas estruturas é da administração responsável pela malha viária específica. É da Prefeitura de São Paulo, portanto, a responsabilidade por inspecionar e reparar pontes dentro da cidade. O governo de cada unidade federativa deve zelar pelas obras em rodovias estaduais, enquanto a União cuida das que pertencem a estradas federais.

Segundo o engenheiro Wilson Lang, do Confea, há negligência. “A informação [sobre a necessidade de reparos] de Brasília estava lá desde 2010, esperando decisão”, diz. ​

E em caso de rodovias sob concessão?
A fiscalização é de responsabilidade pública, e a manutenção, da concessionária. No caso da rodovia dos Imigrantes, por exemplo, que liga São Paulo à Baixada Santista, quem deve verificar os riscos de seus viadutos e pontes é a equipe do DER-SP (Departamento de Estradas de Rodagem). A partir dessa aferição, a concessionária é quem fica responsável por fazer eventuais obras.​

O engenheiro Lang cita o caso italiano como exemplo de descaso em gestões sob concessão. ​”Tinha a concessionária, que é quem tinha que fazer [a manutenção]. Mas quem fiscaliza não estava olhando. O Estado tem que pensar que quem arca com a responsabilidade social do desastre é ele.” ​​

Como deve ser feita a inspeção?
O engenheiro Lang afirma que o diagnóstico cumpre protocolos, como se fosse uma sequência de um diagnóstico médico. “Primeiro é feita a fiscalização periódica do estado aparente”, mais superficial, portanto. Com base no relatório dessa visita, pode haver a demanda de uma ação específica. “Um especialista em ‘patologia das estruturas’ faz a perícia e indica o que o órgão executivo deve fazer. Mas ele não é capaz de prever em quanto tempo pode haver um problema sério, só determina se há urgência.” Então, cabe ao Executivo fazer a obra, a interdição ou reforço necessário.

Que desgaste essas estruturas podem sofrer?
Diferentemente de edifícios, pela natureza da construção, ​pontes e viadutos se movimentam. O movimento pode ser vertical ou horizontal. O vertical ocorre pela entrada de uma quantidade expressiva de peso na estrutura, como um caminhão carregando 40 toneladas. O horizontal se dá pelo tráfego desse peso pela estrutura, gerando um movimento de “vai e vem”. Esse é um dos motivos pelo qual uma ponte ou viaduto com certa extensão seja feita de módulos, não inteiriça. Caso a estrutura fosse uma peça única, o movimento rapidamente criaria fissuras e a colocaria sob risco.

Quais são os fatores e sinais de desgaste?
Fissuras são um sinal claro de problemas. Infiltrações são outro. “A água é inimiga mortal das estruturas, porque é aí que começa a corrosão”, diz Lang. O desnível entre dois trechos da ponte é um deles. “As juntas de dilatação funcionam também como um alerta. Se há um desnível, normalmente aquela parte pode precisar de um içamento”, diz.

Pontes em regiões litorâneas necessitam de cuidados diferentes?​
Sim, uma vez que a salinidade do ar é outro fator de desgaste. “Há uma deterioração muito grande na ponte Pedro Ivo Campos [em Florianópolis, uma das estruturas que liga a ilha ao continente] por estar em região marítima. Não só pelo movimento da maré, mas especialmente pela salinidade do ar, que causa corrosão ao aço”, afirma Lang.

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