Publicado às 11h40
Agência Estado
Supervisora de atendimento em um hospital, Elaine de Lima, de 36 anos, vai morar mais perto do trabalho. Ela não tem carro – nem pretende mais ter. No ano passado comprou um apartamento pequeno, sem vaga de garagem, no Cambuci, região central da cidade. Pesou na escolha a chance de usar transporte público ou um aplicativo para ir ao serviço, na zona sul, sem ficar presa no trânsito.
“Tinha plano de comprar carro, mas o custo de manutenção é absurdo e o trânsito está complexo. É mais conveniente andar de táxi, Uber ou metrô. Coloquei na ponta do lápis e não compensa.” No lugar das vagas de garagem, o prédio de Elaine colocou um bicicletário. As áreas arborizadas no condomínio, a piscina e academia encheram os olhos de Elaine. “Era meu sonho de consumo”, afirma ela, que também pensa em aprender a andar de bicicleta para aproveitar a ciclovia que passa por ali.
Dados do Sindicato da Habitação do Estado de São Paulo (Secovi-SP) indicam que, das 37,1 mil unidades lançadas no ano passado, 15,1 mil eram sem vaga de garagem (40,9%). Em números absolutos, a maioria se concentra nas zonas leste e sul, mas é no centro, onde a oferta de serviços e transporte público é maior, que as unidades sem vaga superam lançamentos para quem tem veículos. Só até março foram inaugurados 844 apartamentos sem estacionamento.
Para especialistas, os lançamentos acompanham tanto a exigência da nova lei quanto mudanças no perfil do paulistano, menos conectado com os carros. Também atendem à necessidade de baratear os empreendimentos, enquadrando-os em regras de financiamento do programa Minha Casa Minha Vida, para caber no bolso do comprador, em meio à crise.
O Plano Diretor estabeleceu que prédios no entorno de corredores de ônibus e estações de metrô tenham, no máximo, uma vaga de garagem por apartamento – é preciso que a construtora pague valor extra à Prefeitura caso queira mais espaço para veículos. Antes, uma vaga era o mínimo exigido. As diretrizes do plano foram detalhadas pela Lei de Zoneamento, de 2016. O objetivo é justamente desestimular o uso de carros em áreas adensadas, onde há oferta de transporte público.
Segmentados. O resultado das mudanças foi uma diversificação nos novos empreendimentos. “Tem prédios com apartamentos de duas vagas e estúdios sem vagas”, exemplifica Celso Petrucci, economista-chefe do Secovi-SP. Em média, os apartamentos sem vagas lançados no ano passado tinham 36 m² – bem menores do que a média com vaga, de 68 m².
“É um movimento natural quando a cidade fica muito adensada. Em Nova York, as pessoas não têm carro privado e a nova geração tem a mentalidade de que o carro é quase um prejuízo”, afirma Deborah Seabra, economista do Grupo ZAP, portal de imóveis.
Para Valter Caldana, professor de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie, a lei sobre uso do solo em São Paulo “escutou” uma demanda. “Havia um segmento muito grande desejoso de morar em zonas centrais, pagando mais barato. E esse segmento dispensa o automóvel.”
Os jovens são a cara desse movimento, diz Caldana, mas não são os únicos entusiastas. Mudanças nos padrões de família (que estão cada vez menores) e de consumo (de mais experiências e menos volume) ajudam a explicar a onda. O compartilhamento de serviços também impulsiona a escolha pelos novos apartamentos. “É para preferencialmente andar a pé, de patinete ou bicicleta. É um novo perfil de pessoas que preferem morar em lugar menor, mas próximo do trabalho, escola, lazer e áreas de consumo.”
No lugar de carros, bikes e patinetes
No lugar da garagem, empréstimo de bicicletas e patinetes. Novos empreendimentos sem estacionamento apostam na diversidade de meios de locomoção para atrair moradores. “Nossa tese é de que a pessoa pode usar outros modais ou transporte público. Cada vez menos pessoas querem pagar pelas vagas”, diz Alexandre Frankel, CEO da Vitacon. No ano passado, a construtora lançou um empreendimento na região da Avenida Paulista sem vagas, mas com patinetes para compartilhar.
Aposta parecida foi a da MAC Construtora e Incorporadora, com dois novos empreendimentos sem vagas – um na Liberdade, na região central, e outro em Moema, na zona sul. Nesses, foram instalados bicicletários com bikes à disposição dos condôminos – os moradores é que regulam o uso dos equipamentos, explica Ricardo Pajero, gerente comercial da MAC.
Outra tendência é trazer o trabalho para dentro do condomínio. “Os prédios vão começar a receber um ou dois andares de coworking. Essa mudança vai começar a aparecer em breve”, afirma Antonio Claudio Fonseca, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie.
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