Publicado às 10h25
Folha de SP
Meio século atrás, as ruas do Sumaré ainda eram de terra batida quando ele teve a ideia de montar um parque infantil com as próprias mãos no terreno de esquina da família, em frente à sua casa.
Pensou primeiro nos dois filhos, Vivian e Marcos, mas não só neles. Contou 32 crianças entre dois e dez anos que moravam naquele quarteirão e que brincavam sempre na rua por onde passavam cada vez mais carros.
“Só uma vizinha tinha oito filhos… Resolvi tirar as crianças da rua e fiz o parquinho”, lembra Adalberto Costa de Campos Bueno, com esse nome de senador da República Velha e que na infância era chamado de Cachucho.
Publicitário aposentado, é um homem de bem com a vida, admirando sua obra em uma manhã de sábado de março na qual contou sua história sem esperar perguntas.
Hoje, aos 91 anos, ele continua cuidando sozinho da “Adalbertolândia”, nome que as crianças do bairro deram, contra a sua vontade, ao parquinho. “Eu tinha um nome mais bonito, ‘criançolândia’, mas aí ficou esse mesmo.”
“Essa é a única ‘lândia’ em que ninguém paga nada para entrar, tudo é grátis. Sempre podemos, e devemos, oferecer alguma coisa para os outros e sem pedir nada em troca”, ensina ele, sempre com um sorriso no rosto, de olho nas crianças que estão brincando no carrossel, nos balanços, no “quiosque da floresta” ou na “casa do Tarzan” montada numa das 32 árvores que ele mesmo plantou.
São apenas 300 metros quadrados de terreno, mas ali, naquele oásis escondido na esquina das ruas Paulino Longo e Plínio de Moraes, além dos brinquedos de madeira, há dez trilhas para pequenas caminhadas abertas entre mais de 200 plantas. Tudo isso junta pais e filhos, avós e netos, namorados ou quem procura só um pouco de paz.
O maior elogio que Adalberto já recebeu não veio de uma criança, mas da senhora que lhe disse à saída. “Fico meia hora aqui e já saio diferente. Tem uma energia boa, não sei explicar.”
Na marcenaria na garagem de sua casa para os serviços de manutenção, Adalberto guarda com carinho uma pequena caderneta onde anotou os nomes das 552 crianças que passaram por lá desde o dia 6 de junho de 1969 até dois anos atrás —com a idade delas, o número de “sócio” e a data da primeira visita. Começou a aparecer tanta criança que ele parou de anotar.
A primeira “sócia”, claro, foi a filha Vivian, que hoje mora nos EUA. O filho Marcos, que mora na casa ao lado, tem uma escola de línguas e não se mostra interessado em seguir o trabalho do pai, mas o parquinho vai continuar em boas mãos. “Meu neto Alexandre, de 12 anos, já falou que vai assumir o parquinho. Por enquanto, estou só ensinando o menino porque não quero perder meu emprego… Vou fazer o que na vida?”
Quando não cuida da “Adalbertolândia”, ele passeia de bicicleta pelas ruas íngremes do Sumaré, montado numa Caloi 10 que é quase tão antiga quanto o parquinho. Mas o que Adalberto mais gosta de fazer é contar os segredos da sua longevidade, na certeza de que vai passar dos cem anos. Acorda cedo, faz meia hora de exercícios físicos todos os dias, come de tudo, mas sempre pouco, nunca fumou, não bebe e não toma remédios.
DETALHES
Cada brinquedo do parque tem um indicativo de idade e, nos fundos do terreno, esconde-se um balanço maior em que ele colocou o aviso: “Só para menores de 100 anos. Acima disso, é perigoso.” “Minha saúde eu devo a este lugar, à alegria que me dá poder oferecer felicidade para os outros. Já recebo aqui os netos dos meus primeiros sócios, pode existir coisa melhor?”
Sempre com planos para melhorar o parquinho, ele agora já está pensando na comemoração dos 50 anos da “Adalbertolândia”. “Preciso consultar os meus sócios para ver o que eles querem fazer”, conta, enquanto cuida de chamar todo mundo para a fotografia. A criançada, que ainda o chama de tio, obedece. “E eu já sou avô.”
Com a audição e a visão perfeitas, ele só usa óculos de sol, que pendura no boné branco, e tem uma memória de fazer inveja. Recorda de cada passagem de sua vida como se tivesse acontecido ontem.
Adalberto nasceu em Sorocaba, chegou a São Paulo menino, em 1939, e se formou em ciências e letras pela Universidade da Califórnia. Retornou ao Brasil com 28 anos e foi logo trabalhar em publicidade. Passou por algumas das maiores agências, com a Thompson e a McCann, e depois montou a sua própria, a ACCB, com as iniciais do seu nome.
De duas coisas Adalberto quer distância: dar entrevistas a programas de televisão e de corretores de imóveis interessados em comprar o seu terreno, cada vez mais valorizado. Já foi convidado para ir aos programas de Silvio Santos e de Ana Maria Braga, mas não aceitou.
“Eu não faço as coisas para me mostrar. Vem aqui quem quer, não preciso de propaganda”, diz o ex-publicitário.
Com os corretores, corta logo o papo. “Não estou interessado em vender o terreno tão cedo.” Também não espera ajuda de ninguém, muito menos do poder público. A única vez em que apareceu uma autoridade no parquinho foi para levá-lo preso à delegacia porque estava podando os galhos podres de uma árvore de seis metros de altura que ameaçava cair.
“Alguém me denunciou, veja o absurdo, por cortar uma árvore que eu mesmo plantei. Me levaram para a cadeia e apreenderam meu machado, que está lá até hoje. Tivemos que ligar para o delegado-geral para me soltar.”
VISITAS
Cada vez que aparece alguém no portão e fica olhando sem entrar, ele vai lá e convida. “Vem, vamos entrando, não paga nada.” A princípio, as pessoas ficam meio ressabiadas, mas logo ele deixa todo mundo à vontade e vai mostrar o parquinho. “Nossos políticos dão mau exemplo. Mas aqui é o contrário da Lei de Gerson, ninguém quer levar vantagem em nada, e as pessoas custam a acreditar.”
A médica Lorena Marçalo frequenta o parquinho desde criança. Agora, vai até lá com os dois filhos, de um e dois anos. “Meu pai faleceu e eu herdei a casa dele aqui do lado e o parquinho… Aqui é uma extensão da minha casa.”
Sonia Góes, que vinha com os três filhos pequenos desde a abertura do parquinho, agora leva os netos ou só dá uma passada para dar um abraço no amigo Adalberto.
Além de criador, dono e cuidador da “Adalbertolândia”, ele é também o animador do parquinho, sempre com uma história para contar ou inventando novas brincadeiras para as crianças.
Quem não tem filhos nem netos pequenos, também pode passar por lá só para puxar um dedo de prosa com este sorocabano que não reclama da vida. Ao contrário, só gosta de falar das coisas boas que a vida lhe deu.
Quase cinquentão, com cara de jovem, um dos raros parquinhos particulares e gratuitos da cidade abre aos sábados, domingos e feriados, sempre às 8h e só fecha com o pôr do sol, após a última criança sair.
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