Publicado às 10h15
Folha de SP
A base do prefeito Bruno Covas (PSDB) na Câmara Municipal articulou a aprovação de um projeto que cria entraves para as decisões da Controladoria Geral do Município e reduz o poder de atuação do órgão —criado para combater a corrupção e promover a transparência.
As mudanças foram propostas pelo líder do governo na Casa, vereador João Jorge (PSDB), e aprovadas na semana passada. O texto irá agora para a análise de Covas, que pode vetá-lo ou sancioná-lo.
Dois parágrafos inseridos no projeto têm alarmado servidores da Controladoria e especialistas em transparência.
O primeiro estabelece que “os relatórios, recomendações ou encaminhamentos” do órgão “devem ser convalidados pelos secretários municipais das pastas correspondentes aos casos analisados, após manifestação jurídica da Procuradoria Geral do Município”.
O segundo diz que, se este secretário acatar a resolução do órgão e decidir pela demissão de um servidor ou pela cassação de sua aposentadoria, essa decisão ainda precisará ser validada por uma comissão, a ser definida por decreto pelo prefeito.
O projeto também devolve status de secretaria para a Controladoria (rebaixada na gestão Doria), o que é usado como argumento pela prefeitura para negar que haverá um engessamento do órgão. No entanto, ao mesmo tempo em que volta a receber autonomia administrativa e orçamentária, suas decisões, pelo texto aprovado na Câmara, precisarão passar pelo crivo de outras instâncias.
Na avaliação do professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) Marco Antonio Teixeira, especialista em gestão pública, o projeto “é um passo atrás ainda maior”. “As decisões não apenas não terão efeito imediato como poderão ser revistas. Isso enfraquece a Controladoria”, afirma.
Para Américo Sampaio, da Rede Nossa São Paulo, a mudança “é negativa e chama atenção porque descaracteriza o papel da Controladoria”. Em sua avaliação, agora “vai ficar difícil a gestão [Covas] sustentar que pretende combater a corrupção”, afirma.
Criado na gestão Fernando Haddad (2013-2016), o órgão investigou desvios milionários, como o da máfia do ISS, esquema em que fiscais da prefeitura recebiam propina de construtoras para dar descontos em impostos.
Ao assumir a prefeitura, João Doria (PSDB) publicou decreto em que tirava o status de secretaria da Controladoria com a justificativa de cortar custos. O decreto fundia ainda outras pastas municipais.
Em junho deste ano, a Justiça considerou a reforma inconstitucional, argumentando que não poderia ter sido feita por meio de um decreto, mas apenas por lei aprovada na Câmara Municipal. Em 21 de junho, o já prefeito Bruno Covas enviou o projeto à Câmara, que não incluía os parágrafos que reduzem o poder da Controladoria.
O vereador João Jorge, líder do governo, foi quem apresentou o projeto substitutivo com essas especificações. Questionado pela Folha, Jorge defendeu a mudança, argumentando que o texto “amplia o fórum de discussão”. “Quando se fala numa demissão ou cassação de aposentadoria, é algo muito pesado, então é dado um direito a esse servidor de mais uma instância (…) para que a prefeitura não cometa injustiça.”
A Controladoria já está em seu sexto chefe desde a sua criação. O atual controlador, nomeado em abril, é Gustavo Ungaro, filiado ao PSDB.
O projeto, aprovado na quarta (15), cria também uma secretaria de Turismo —a empresa municipal que cuida do tema, SPTuris, está no pacote de desestatizações. No texto, as prefeituras regionais, que receberam esse nome na gestão Doria, voltam a ser chamadas de subprefeituras.
Em nota, a gestão Covas destacou que os novos parágrafos do projeto foram incluídos pela Câmara, mas disse que a tendência do prefeito é vetá-los após passar por análise da assessoria técnico-legislativa.
À Folha, João Jorge disse que “quando o líder do governo apresenta um substitutivo a um projeto do Executivo, é claro que há um entendimento com setores do governo para que esse substitutivo represente a vontade do governo”.
A prefeitura destaca que o texto dá de volta o status de secretaria à Controladoria, respondendo diretamente ao prefeito, o que fortalece “sua elevada posição como ente central de controle interno”.
A gestão minimiza o fato de Ungaro ser filiado ao partido do prefeito e destaca que ele participou de órgãos de controle do Governo de SP. “As trocas de ocupantes de cargos de confiança são prerrogativas do prefeito e corriqueiras na administração”, diz.
CRIAÇÃO – Foi criada em 2013 pela gestão Haddad (PT), com a função de “prevenir e combater a corrupção na gestão municipal, garantir a defesa do patrimônio público, promover a transparência e a participação social e contribuir para a melhoria da qualidade dos serviços públicos”
INVESTIGAÇÕES – Descobriu esquemas de desvios milionários. O mais importante deles ficou conhecido por Máfia do ISS, em que fiscais da prefeitura recebiam propina de construtoras para dar descontos em impostos.
REBAIXAMENTO – Sob a justificativa de cortar gastos, perdeu o status de secretaria na gestão João Doria (PSDB), em 2017, e passou a ser subordinada à pasta da Justiça.
SECRETARIA – Reforma administrativa apresentada pela base de Bruno Covas (PSDB) na Câmara dá novamente status de secretaria, mas cria novas instâncias para as decisões do órgão, que precisarão de aval de secretários e de comissão.
Adicione Comentário