COTIDIANO

Câmara de São Paulo esconde salários de servidores em site oficial

A medida vai na contramão de órgãos públicos de outras esferas, como a própria prefeitura e governo de São Paulo

Publicado às 9h40

Folha de SP

A Câmara Municipal de São Paulo apagou os nomes de seus funcionários da lista com salários divulgada em sua página oficial da internet.

O Legislativo passou a divulgar, por decisão da mesa diretora, só a numeração da matrícula dos servidores ao lado dos vencimentos, impossibilitando ligar os valores à identidade dos funcionários.

A medida vai na contramão de órgãos públicos de outras esferas, como a própria prefeitura e governo de São Paulo, que divulgam dados detalhados. Por outro lado, segue modelo adotado pela Assembleia Legislativa paulista –que só divulga a matrícula ao lado dos salários.

A assessoria de imprensa da Câmara afirmou que a mudança foi decidida “após pedido do sindicato dos funcionários municipais da Casa e análise jurídica do caso”.

A decisão atende à solicitação do Sindlex (sindicado dos servidores da Câmara e do Tribunal de Contas do Município). A vice-presidente do órgão, Sônia Maria Corrêa Alves, afirmou que a reivindicação era feita desde 2013.

“A exposição do nome com o salário num Brasil onde não existe segurança para o cidadão? O que você depreende? Insegurança”, afirma.

Questionada se houve casos concretos de problemas com servidores, Sônia citou um episódio ligado a uma separação. “A esposa ficou divulgando o salário do marido para todo mundo”, diz.

Sônia afirma que vários órgãos não divulgam os nomes ao lado dos salários, mas a matrícula ou o valor relacionado à carreira. Um exemplo citado por ela é o TCM (Tribunal de Contas do Município).

Desde 2012, o Executivo federal passou a divulgar salário dos servidores a partir do nome, CPF, órgão de exercício ou de lotação, função ou cargo. No site do governo federal, é informado que a decisão “se baseia na convicção de que os salários dos agentes públicos são informações de interesse público e que a transparência deve sempre prevalecer em um ambiente democrático”.

DINHEIRO PÚBLICO

A divulgação dos vencimentos pelo governo federal ocorreu depois da Lei de Acesso à Informação, de 2011.

Para o cientista político Marco Antonio Teixeira, da FGV (Fundação Getulio Vargas), a não divulgação dos nomes dos funcionários pode impedir a descoberta de informações importantes. Um exemplo citado por ele são dados de funcionários que, por receberem mais de um salário, podem estar desrespeitando o teto constitucional.

“Do ponto de vista democrático, do zelo com dinheiro público, o ideal é que os nomes fossem colocados”, diz.

Em março, a Câmara iniciou um processo para cortar salários acima dos ganhos do prefeito João Doria (R$ 24,1 mil) –alguns chegavam a receber cerca de R$ 60 mil.

A mesa diretora aposentou compulsoriamente, por exemplo, 14 servidores maiores de 75 anos que ganhavam de R$ 8.000 a R$ 19 mil, entre os quais havia ascensoristas, garçons e copeiras.

Na lista da Câmara referente à remuneração de setembro, a reportagem identificou salários de até R$ 31,8 mil.

SUPREMO

A publicação no “Diário Oficial” que embasa a mudança do procedimento cita decisão do ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal de Federal), de 2009.

A decisão afirma que “a forma como a concretização do princípio da publicidade, do direito de informação e do dever de transparência será satisfeita constitui tarefa dos órgãos estatais”. Ele cita como uma solução “hipoteticamente viável” “a substituição do nome do servidor por sua matrícula funcional”.

Em 2015, o STF considerou que a divulgação dos nomes dos funcionários públicos ao lado de salários é legal.

Os ministros discutiram um recurso da cidade de São Paulo contra decisão da Justiça Estadual, que havia determinado a exclusão das informações de uma servidora do site da prefeitura. A mulher dizia estar sofrendo constrangimento moral pela exposição de seus vencimentos.

O ministro Marco Aurélio Mello afirmou na ocasião que a vida do servidor público representa um livro aberto. “O servidor público não pode pretender ter a mesma privacidade que o cidadão comum. Os agentes públicos, políticos, estão na vitrine. Entre o interesse individual e o coletivo, prevalece o coletivo”, disse.

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