COTIDIANO

Construções na beira de córregos e rios dificultam limpeza e provocam enchentes

Problemas de falta de habitação proliferaram loteamentos clandestinos feitos por grileiros urbanos

Publicado às 9h20

Folha de SP

Como um polvo gigante, a metrópole foi crescendo e avançando para todo lado, com loteamentos e construções irregulares, engolindo rios, córregos, várzeas e mananciais, e provocando enchentes a cada chuva mais forte.

Com os seculares problemas de falta de habitação para todos, proliferaram os loteamentos clandestinos feitos por grileiros urbanos, as invasões e as ocupações, com gente em busca de espaço para montar um barraco, por mais perigoso que seja.

É essa realidade que torna a limpeza dos 228 córregos, afluentes dos cinco rios que cortam a cidade (Tietê, Pinheiros, Tamanduateí, Oratório e Aricanduva), o serviço mais pesado e de maiores riscos entre os trabalhos de zeladoria da cidade.

As 56 equipes, cada uma com oito funcionários terceirizados, espalhadas pelas 32 subprefeituras, já não estavam dando conta do desafio, como mostraram as enchentes do começo do ano na cidade, uma tragédia que já faz parte o calendário.

Só em dezembro de 2018 o Tribunal de Contas do Município liberou uma nova licitação para contratação de mais equipes de limpeza.

Ao contrário de outras áreas, não há aqui um departamento especializado que centralize os trabalhos, com um “xerife” responsável.

Cada subprefeitura cuida do seu território e quem faz o acompanhamento desse serviço é o engenheiro Fernando Mello, 47, que começou na prefeitura há 19 anos, como estagiário na subprefeitura de São Mateus.

Assessor técnico do gabinete de Alexandre Modonezi, secretário das Subprefeituras, Mello mapeou as áreas mais vulneráveis da cidade e sabe onde há maiores riscos de enchentes.

“É no Parque das Flores, na zona leste; no Jardim Pantanal, que fica numa várzea; em Perus e na Vila Seabra, às margens do córrego Lageado, na divisa entre São Miguel e Itaim Paulista, onde há uma grande invasão, com mais de mil famílias. Quando chove, alaga tudo, porque as águas não têm para onde correr.”

As construções precárias às margens dos córregos dificultam o acesso das equipes com máquinas de limpeza e causam acidentes por conta da precariedade dessas construções.

Os moradores também não ajudam. Córregos viram depósitos de lixo, onde podem ser encontrados sofás, cadeiras, colchões e carcaças de carros e de animais.

No caminho dos funcionários que trabalham nas periferias, eles enfrentam também cobras, capivaras e escorpiões, algo inimaginável para os moradores das áreas mais urbanizadas da cidade, onde os córregos há muito já foram canalizados —o que, no entanto, não impede enchentes frequentes em bairros tradicionais como Ipiranga e Canindé.

Mello explica que os serviços são feitos de duas maneiras: com equipamentos manuais (roçadeira, foice e enxada) e a mecanizada, com esteira tipo Poclain ou retroescavadeira.

Nas áreas de ocupação recente, as máquinas não conseguem entrar, porque as moradias avançam sobre os córregos. O serviço manual é intensificado no período de seca, em preparação para o próximo verão, quando a prefeitura monta uma operação especial, de novembro a março, para o combate a enchentes.

Nos anos 1970, começaram a ser construídos os piscinões. São 22 espalhados pelas diferentes regiões da cidade, mas também já não dão conta de receber toda a água das chuvas levadas pelos canais. Por isso, a prefeitura está construindo mais quatro desses equipamentos nos bairros de Vila Mariana, Jabaquara, Jaçanã e Tremembé, que devem entrar em funcionamento até o final do ano.

A limpeza de bueiros e galerias de águas pluviais é feita em parceria com a Amlurb, a autarquia municipal que cuida do lixo. Este serviço conta agora com novos caminhões equipados com hidrojato, que permitem uma limpeza mais rápida.

Se a cidade continuar crescendo pelas mãos dos grileiros urbanos, no entanto, como acontece desde o início do século passado, por mais que se modernize com novos equipamentos e tecnologias, a prefeitura estará sempre correndo atrás do prejuízo.

O processo é sempre o mesmo: o grileiro fica de olho nos terrenos abandonados pelos proprietários nos extremos da cidade, estimula as invasões e começa a vender lotes. O dono só reaparece quando já foram feitas benfeitorias e reivindica a reintegração de posse.

De nada servem os recibos de compra do terreno mostrados pelos moradores, porque o grileiro já desapareceu. Mais adiante, o ciclo recomeça.

Fernando Mello explica que a prefeitura nada pode fazer para impedir ocupações em terrenos particulares, só em áreas públicas. Da noite para o dia, surgem novas vilas e jardins, que demandam serviços de zeladoria. A conta nunca fecha.

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