Publicado às 9h15
Folha de SP
Vinte e nove clubes esportivos da cidade de São Paulo acumulam dívidas de IPTU que já são próximas do rombo deixado pela máfia do ISS nos cofres públicos, segundo cadastro da prefeitura.
O sistema municipal considera haver um débito que ultrapassa R$ 620 milhões, valor suficiente para construir três hospitais ou cem creches.
O prejuízo estimado do maior esquema de corrupção descoberto na capital paulista, praticado por fiscais que cobravam propina de empreiteiras em troca de descontos no ISS, é da ordem de R$ 690 milhões, em valores corrigidos.
Parte das dívidas listadas pela prefeitura se arrasta há anos (há casos desde a década de 1990), e a maioria dos clubes contesta a cobrança sob a justificativa de que a isenção do IPTU (Imposto Territorial e Predial Urbano) para esses espaços é amparada por lei. A gestão Bruno Covas (PSDB), porém, argumenta que esse benefício depende de uma série de requisitos e é parcial.
Entre os clubes que a gestão municipal elenca como devedores estão espaços frequentados pela elite e os três principais do futebol paulistano: Palmeiras (R$ 50,3 milhões), Corinthians (R$ 28,7 milhões, referente à sede no Tatuapé) e São Paulo (R$ 24,1 milhões).
O levantamento da Folha incluiu os 50 clubes esportivos com maior área da cidade —21 deles não têm nenhuma dívida de IPTU. Os altos valores se devem à localização dos espaços, em áreas nobres.
O Jockey Club de São Paulo, na Cidade Jardim (zona sul), é responsável por 40% da dívida contabilizada. No cadastro, atinge R$ 247,8 milhões, valor questionado pela diretoria.
O clube fica em um terreno de 587 mil m², um pouco menor que a área do parque Villa-Lobos. Um imóvel que vale ao menos R$ 1,3 bilhão, segundo estimativa do município.
O diretor-geral do Jockey, Luis Blecher, afirma que há conversas com a prefeitura para transformar parte do espaço em um parque público-privado. A ideia é também manter a atividade de turfe e criar um polo de entretenimento, com hotel e restaurantes.
O clube, segundo Blecher, sofre mais que os outros porque uma das regras para obter a isenção do IPTU é que não haja venda de apostas, afetando diretamente a atividade do Jockey.
O São Paulo Golf Club aparece em segundo no cadastro da prefeitura, com dívida de R$ 63,4 milhões. O clube tem área similar à do Jockey, mas em região menos valorizada, em Santo Amaro (zona sul).
O levantamento da Folha mostra que a cidade tem 511 espaços registrados como clubes, em uma área de 5,5 km², equivalente ao distrito inteiro da Barra Funda (zona oeste).
Pelas regras municipais, os clubes têm de pedir anualmente a isenção de IPTU. Segundo a prefeitura, elas podem ser indeferidas ou mesmo revistas posteriormente.
Uma das questões polêmicas são as áreas terceirizadas, quando empresas prestam serviços dentro dos clubes —isso pode afetar também outros tipos de imóveis isentos, não só na área esportiva.
Entre os clubes de elite que a prefeitura considera em dívida estão Paulistano, Pinheiros e Hebraica, que negam qualquer débito de IPTU por serem isentos, embora constem no sistema municipal como devedores em mais de um ano, todos anteriores a 2018.
No caso da Hebraica, há até dívidas de 1991 e 1997, além de valores relativos aos anos entre 2014 e 2017. O total listado é de R$ 19,9 milhões.
O Paulistano (R$ 22,2 milhões) diz que já obteve na Justiça decisão para impedir sua inscrição no cadastro de devedores. O Pinheiros (R$ 33,5 milhões) afirma que os lançamentos do IPTU vêm sendo cancelados depois do deferimento de pedidos de isenção.
O urbanista Kazuo Nakano, professor da Unifesp, avalia que a maioria dos clubes não oferece contrapartidas para justificar isenção de impostos.
“Os clubes não exercem mais uma função agregadora”, afirma. Ele cita a proliferação de locais de lazer, o que inclui prédios inseridos no conceito de condomínio-clube.
“Existem clubes que desempenham função importante, mas outros são murados, gradeados e vigiados”, diz Renato Cymbalista, professor da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da USP. Ele diz que algumas entidades têm valor simbólico para a cidade, mas que poderia haver negociação de contrapartidas como atividades gratuitas para escolas.
Já a urbanista Lucila Lacreta, diretora do Movimento Defenda São Paulo, avalia que os clubes ainda representam importante papel ambiental. “São importantes áreas verdes, permeáveis e de pouca ocupação em uma cidade tão verticalizada como São Paulo.”
Segundo ela, a maioria dos distritos da cidade passa longe da recomendação de 12 m² de área verde por habitante. “Este fato deveria ser levado em conta para os cálculos da cobrança do IPTU destas áreas que prestam um incomensurável serviço ambiental.”
OUTRO LADO
Os clubes esportivos sustentam ser isentos e questionam as dívidas de IPTU que constam do cadastro da prefeitura.
O Jockey Club diz que a cobrança está sendo negociada com a prefeitura, mas não chega ao montante de R$ 247,8 milhões listado pelo município. “A dívida de IPTU não é deste tamanho, parte está em discussão no STF (Supremo Tribunal Federal)”, afirma.
O Golf Club, segundo no cadastro de devedores entre os clubes, afirmou que não se pronunciaria sobre esse tema. Segundo a prefeitura, ele aderiu ao PPI (programa de parcelamento de dívida).
O Esporte Clube Pinheiros afirma não possuir “dívida exigível”. “Os lançamentos fiscais relativos ao IPTU vêm sendo cancelados após deferimento de pedido de isenção”, diz.
Segundo a prefeitura, há análise do pedido de isenção do clube. A maioria do débito se refere a 2017 (R$ 27 milhões), mas também há R$ 6,4 milhões referente a 2014.
Além de citar a isenção, a Hebraica afirmou não possuir qualquer débito. “A Hebraica ressalta ainda que, como os demais clubes de São Paulo, encaminhou solicitação ao órgão competente”, diz em nota.
O Club Athletico Paulistano afirmou não possuir dívida de IPTU por ser isento. “Apesar de já ter obtido reconhecimento administrativo de isenção nos exercícios de 2012 a 2015, o clube viu-se obrigado a impetrar mandado de segurança no qual foi concedida tutela antecipada para impedir indevida inscrição no Cadin (cadastro de devedores municipal)”, afirma a entidade, que enviou documento para mostrar que não há pendências no cadastro.
O Palmeiras não respondeu aos questionamentos e também parcelou débitos.
O Corinthians afirmou entender ser isento, mas que alguns pedidos foram indeferidos em primeira instância administrativa. O clube afirmou que tomará as medidas cabíveis, judicialmente se necessário, e que procura aderir aos programas de parcelamento.
O São Paulo Futebol Clube diz que a dívida “supostamente existente diz respeito a divergência de entendimento por parte da municipalidade”.
O Juventus afirmou que a dívida do cadastro não é real e que há “cobrança indevida de vários exercícios”. A prefeitura diz que ele aderiu ao PPI. A Associação de Pessoal da Caixa Econômica Federal de São Paulo afirmou ser isenta.
A gestão Covas diz não poder entrar em detalhes sobre casos específicos devido ao sigilo fiscal. A Secretaria da Fazenda afirmou que utiliza vários instrumentos para cobrança, como parcelamentos, inscrição na dívida ativa e no Cadin e cobranças judiciais.
Sobre a isenção, a pasta afirma que a análise é anual e pode ser indeferida caso critérios técnicos não sejam atendidos. “Pode-se efetuar uma revisão a qualquer tempo de benefícios concedidos”, diz em nota a secretaria.
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