Publicado às 11h20
Folha de SP
Dois anos após ter sido sancionada pelo então prefeitoFernando Haddad (PT), a lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, conhecida popularmente como lei do zoneamento, deve ser alterada pela Prefeitura de São Paulo.
A justificativa da gestão João Doria (PSDB) é que a lei precisa passar por ajustes à realidade atual e que os investimentos do setor privado têm sido enfraquecidos pela crise econômica no país.
As alterações propostas têm sido criticadas por algumas entidades —como associações de bairro e de movimentos populares— que veem o mercado imobiliário como principal beneficiário das possíveis mudanças.
Um projeto de lei elaborado pela Secretaria de Urbanismo e Licenciamento deve ser encaminhado à Câmara Municipal ainda no primeiro semestre, e a ideia é que seja sancionado ainda em 2018.
Entre as principais propostas está a possibilidade de acabar com limite de altura de prédios em ruas pouco movimentadas. Atualmente, o limite é de 28 metros —o que corresponde a cerca de oito andares— em vias no miolo dos bairros e afastadas dos eixos de transporte público.
A medida afetaria bairros de perfil mais horizontal, com predominância de casas e casarões, como a Vila Mariana e a Aclimação.
Outra medida polêmica proposta pela gestão Doria é a liberação definitiva de apartamentos maiores e com mais vagas de garagem em prédios localizados em vias com grande oferta de transporte público, as Zonas Eixo de Estruturação Urbana.
Segundo seus críticos, a medida seria um desestímulo à política de adensamento dos eixos de transporte presente no Plano Diretor Estratégico —aprovado em 2014, o PDE tem como meta orientar o crescimento de São Paulo até 2030.
Com apartamentos maiores e com mais vagas de garagem, um número menor de pessoas moraria nessas regiões, que passariam a ter perfil mais homogêneo, ou seja, financeiramente privilegiado.
Mais de 150 entidades assinaram uma carta que critica as mudanças sugeridas.
PARALISIA
Presidente da Câmara, o vereador Milton Leite (DEM), principal responsável pelo apoio que o prefeito tem para aprovar projetos no Legislativo, defende as mudanças e diz que o mercado tem sido paralisado pela atual configuração do zoneamento.
“O que não pode é você ficar engessando o setor de construção em desfavor da população, encarecendo os imóveis. Você não pode tirar um produto que a população consome, que é um apartamento com duas vagas na garagem, para uma só. É contra a cultura popular dos brasileiros.”
Outro aspecto espinhoso do projeto é a redução em 30% do valor das taxas extras (as chamadas outorgas onerosas) a serem pagas pelas empresas que quiserem construir uma área maior do que a definida pela lei em determinado local.
Presidente do departamento de São Paulo do Instituto de Arquitetos do Brasil, Fernando Túlio diz que, tomadas em conjunto, as medidas prejudicariam o desenvolvimento equilibrado da cidade.
“A outorga onerosa é um recurso que vai para um fundo de melhorias urbanas e que pode tornar a cidade mais equilibrada, formando-se de maneira policêntrica. Se a justificativa é retomar a capacidade de investimento do mercado imobiliário, isso já tem acontecido sem mudanças no zoneamento”, diz Túlio, que estima que a cidade perderá R$ 2 bilhões em 15 anos caso haja o desconto nas outorgas.
Heloisa Proença, secretária de Urbanismo e Licenciamento, discorda que o mercado imobiliário seria o único a ganhar. Ela diz que o setor não está contente e que tem pedido 50% de desconto nas outorgas.
“A proposta se justifica na medida em que o fundo nunca teve arrecadação tão espetacular quanto gostaríamos. O melhor resultado foi em 2011, de R$ 340 milhões (…) A razão do desconto, que seria temporário, seria alavancar a adesão do setor privado, atraindo mais propostas e ganhando no atacado”, diz, ressaltando que a proposta ainda está em debate e será definida pela discussão pública.
Ex-diretor do Departamento de Urbanismo da Secretaria de Desenvolvimento Urbano, o arquiteto Anderson Kazuo Nakano diz que o projeto faz parte de uma lógica mais ampla de “mercantilização da cidade” que estaria orientando a gestão tucana.
“O governo tem reclamado de falta de recursos para a melhoria da cidade, e quer privatizar equipamentos, como o estádio do Pacaembu e o complexo do Anhembi, sob o argumento de conseguir esses recursos. Mas cai em contradição total ao abrir mão de bilhões em outorgas, que são usados para investimento em equipamentos comunitários. A ideia é mercantilizar o espaço público, e não ter mais investimentos”, diz Nakano.
Ele também critica a proposta de reduzir os percentuais de habitações para famílias de baixa renda (faixa de zero a três salários mínimos) em zonas centrais —essas com infraestrutura, serviços urbanos e boa oferta de empregos.
“A maior parte das residências nesses locais ficará com pessoas de classe média. Os pobres voltarão a não conseguir morar em áreas centrais. É legislação urbanística para favorecer o mercado, como sempre foi em São Paulo: pobre na periferia, cidade para os carros e privatização dos serviços públicos”, conclui.
Proença diz que a proposta foi construída a partir de diálogo com movimentos de moradia popular, e que se surpreende com a reação negativa.
“Há redução da HIS 1 (zero a três salários) de 60% para 50%, mas em compensação toda a área passa a ser destinada para moradias de interesse social”, afirma. Segundo ela, os outros 50% da área passariam a ser destinados para casas para quem ganha de três a seis salários mínimos.
O primeiro momento de recebimento de contribuições públicas se encerrará na sexta-feira (30). A partir daí, a secretaria de Urbanismo elaborará devolutiva pública e protocolará o projeto de lei na Câmara Municipal.
ENTENDA A LEI DE ZONEAMENTO
O que é a Lei de Zoneamento
Determina o que pode ser construído na cidade deSão Paulo, rua a rua, e quais atividades –comércio, indústrias e residências– são liberadas em cada local
Quando foi aprovada
Ela foi sancionada pelo ex-prefeito Fernando Haddad (PT) em 23.mar.2016, após 13 mil sugestões e um ano e nove meses de debates; vai regular o uso do solo urbano por mais 12 anos, aproximadamente
Por que a prefeitura quer mudá-la
A gestão diz que alguns pontos do texto não dialogam com a cidade real, inviabilizando projetos; o objetivo da revisão é “uma melhor aplicação da lei”
HISTÓRICO E PRÓXIMOS PASSOS
2ºsem.2016
Depois da aprovação da Lei de Zoneamento, mercado imobiliário e escritórios de arquitetura começam a reclamar de pontos que atrapalham sua aplicação
fev.2017
Doria promete fazer “calibragem” das regras com o objetivo de “gerar renda” e tornar a cidade mais atraente para investimentos
dez.2017
Prefeitura publica minuta de projeto de lei para apresentar suas propostas e receber sugestões; mais de 150 entidades e associações criticam o texto, que dizem ter como único beneficiário o mercado imobiliário
1º sem.2018
Prefeitura deve enviar o projeto à Câmara até o final de junho; ele precisa ser aprovado por 37 dos 55 vereadores em duas votações para passar
2º sem.2018
Data projetada pela prefeitura para a sanção do projeto e o início de sua implantação em São Paulo
A POLÊMICA REVISÃO DO ZONEAMENTO
Principais divergências entre prefeitura e críticos sobre a lei
TÓPICO | PROPOSTA DA PREFEITURA | O QUE DIZEM OS CRÍTICOS | O QUE DIZ A PREFEITURA |
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Taxa para construir | Reduzir em 30% o valor pago pelas empresas para construir para além de um limite estabelecido | Redução da outorga, cujos valores vão para fundo de obras como casas populares, só interessa ao setor imobiliário | O desconto é provisório e ajudará a interromper a queda de arreca- |
Verticalização | Acabar com o limite de altura nos miolos dos bairros, permitindo construções acima de 28 metros | Mudança favorece o adensamento em áreas menos estruturadas e torna as áreas de centralidade mais exclusivas | Flexibilização do limite só será admitida nas zonas mistas e de centralidade, que correspondem a apenas 14% da cidade |
Apartamentos maiores | Liberar a construção de apartamentos maiores e mais vagas de garagem em locais com boa rede de transporte | Maiores e com mais vagas de garagem, apartamentos se tornarão mais caros e exclusivos e incentivarão o uso de carro | Medida já está prevista na lei atual, só se tornaria permanente; ela permitiria mais tipos de apartamento e, logo, maior adensamento |
Habitação social | Reduzir os percentuais de habitações para famílias de baixa renda (HIS) em zonas especiais de interesse social (Zeis) | Reduz a obrigação que construtores têm de construir moradias de interesse social, e os mais pobres terão mais dificuldade em morar em zonas centrais | Há a redução de habitações para quem recebe até 3 salários, mas todo o restante da área irá para aqueles que recebem entre 3 e 6 salários |
Lotes de shoppings | Dobrar para 40 mil m² o limite de lotes para shoppings e retirar a obrigatoriedade de se utilizar parte da área para vias públicas | Aumentar o limite desses lotes vai criar grandes ilhas urbanas, e pedestres e ciclistas terão dificuldades em contorná-las | Alterações anteriores no Plano Diretor criaram dificuldades nas construções que precisam de grandes áreas |
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