Publicado às 9h20
Folha de SP
Há 20 anos, o diretor londrino Martin McDonagh viajava de ônibus pelo Sul dos Estados Unidos quando topou com outdoors à beira da estrada que traziam mensagens ofensivas à polícia local.
“Imediatamente me perguntei: ‘Quem teria tanta raiva para deixar mensagens assim tão ultrajantes?’ Uma vez que decidi que essa pessoa era uma mãe, a história se desenrolou na minha frente.”
Na época, o nome de Donald Trump ainda só era associado à figura de um milionário bufão. Mas, quando a história pela primeira vez ganhou as telas do cinema, em 2017, “Três Anúncios para um Crime” foi abraçado como uma reflexão sobre o rancor que elegeu o republicano.
“Não vejo essa conexão. O filme não foi feito para ser um comentário social sobre a situação americana. Foi rodado durante as eleições”, diz ele à Folha, por telefone. “Mas seria estúpido tapar os ouvidos diante de quem acha isso.”
Os elementos para corroborar tal percepção são numerosos: há no filme a insurgência contra as instituições, o ódio difuso, os brancos empobrecidos –tudo o que entrou na equação da vitória de Trump.
Ajuda bastante o fato de a trama se passar na fictícia Ebbing, no Missouri –Estado americano de maioria branca, protestante e que fica na metade mais pobre do país. Embora não tão folclórico quanto seus vizinhos do Sul, o lugar funciona como epítome de certa América rural.
“Gosto de ouvir a voz dos americanos interioranos, mas a história é universal. Poderia acontecer com uma mãe brasileira, por exemplo.”
No filme, que estreia nesta quinta (15) no Brasil, Mildred (Frances McDormand) vive o luto de uma filha que foi estuprada e morta meses antes.
Como a polícia local não conseguiu solucionar o crime, ela compra o espaço em três outdoors nas cercanias da cidade e neles afixa mensagens para intimidar o xerife local (Woody Harrelson): “Estuprada enquanto morria/ E ainda não houve nenhuma prisão?/ Como pode, delegado Willoughby?”.
SEM SENTIMENTALISMO
A atitude radical de Mildred entorna o caldo de sua relação com a polícia, que tem como principais representantes o xerife e seu assecla racista (Sam Rockwell), e incendeia a cidadezinha, desdobrando-se num grande ensaio sobre o ódio.
“Deixei espaço para lágrimas no roteiro. Mas Frances nunca cai no sentimentalismo”, conta McDonagh sobre a performance da atriz, favorita ao Oscar da categoria.
“Ela estava determinada a interpretar a personagem como alguém que não tivesse acesso a essas emoções e vivendo a hora de deixar a raiva vir à tona.”
A ira aflorada dos dois lados, entretanto, tem seus poros, especialmente na relação entre Mildred e o xerife.
“Ambos vão à guerra, mas isso não acaba com a humanidade deles. São duas pessoas que não deveriam –ou não queriam– estar em guerra uma com a outra, mas que estão”, resume o diretor, que é egresso de comédias de humor negro como “Na Mira do Chefe” (2008) e “Sete Psicopatas e um Shih Tzu” (2012).
Parte da crítica cinematográfica reagiu acidamente à suposta condescendência do diretor para com a protagonista. Mas ele não crê que a obra endosse a atuação desmesurada de Mildred.
“Ela é um ser humano absolutamente questionável. O filme não passa a mão na cabeça dela”, afirma o diretor, que diz não ser nem um pouco fã de histórias de super-herói, maniqueístas.
“É ótimo que as tramas se afastem o máximo possível das da Marvel, que não têm humanidade nem surpresa nem mesmo cinema.”
Indicado a sete estatuetas no Oscar, “Três Anúncios para um Crime” é o título com mais força para fazer Guillermo del Toro e seu monstro aquático de “A Forma da Água” derraparem na reta final da disputa. São filmes díspares; o de McDonagh, mais denso e violento do que a fábula do mexicano.
O diretor britânico, contudo, insiste em dizer que não se comove muito com o fuzuê em torno do Oscar. “É meio bobo, meio louco; acho ok, no final das contas. E eu não me sinto como se fizesse parte de Hollywood.”
Filme concorre ao Oscar nas categorias de:
– Melhor filme
– Melhor atriz (Frances McDormand)
– Melhor ator coadjuvante (Sam Rockwell)
– Melhor ator coadjuvante (Woody Harrelson)
– Melhor trilha sonora
– Melhor roteiro original
– Melhor montagem
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