Publicado às 13h30
Por Mauro Calliari, da Agência Estado
Quase encostado na Serra da Cantareira, na Zona Norte de São Paulo, está o Jardim Damasceno.
Ali, foi criado o Parque Linear do Canivete, em 2010. São 46 mil metros quadrados, distribuídos ao longo de 900 metros às margens do córrego do Canivete, com caminhos, pontes para pedestres, quadras, árvores, bancos e calçadas.
No dia em que visitei o parque, vi as crianças e adolescentes, que, ao saírem da escola, passeavam despreocupados, pedalavam, jogavam bola de um lado para outro do córrego e comiam pitanga das árvores. Em finais de semana, há festas e gente com cadeiras apreciando o movimento.
A sensação é de estar num óasis num bairro com poucas árvores nas ruas (apesar da vista da Cantareira ao longe), casas de auto-construção e urbanização visualmente disforme. As calçadas são largas e confortáveis. Há centenas de metros de lugares para sentar e até algumas mesinhas com tabuleiros sob a sombra de árvores.
Mas o que mais impressiona é a diferença com o cenário da região antes da intervenção. Centenas de construções se apinhavam sobre o rio, tal como hoje se vê na continuação do córrego do Bananal. O rio não está limpo e continua recebendo esgoto das casas, mas o parque domina a paisagem e gera um alívio visual tremendo e uma oportunidade de encontro para os habitantes do bairro.
A ocupação ao redor do córrego
Como em quase todo o perímetro ao redor da região central, as terras do Jardim Damasceno foram sendo ocupadas por pessoas que não encontravam lugar para morar em São Paulo, já a partir da década de 1940. A precariedade das moradias era exacerbada pelo relevo super acidentado, o que ficou evidente num grande deslizamento em 1991.
Por falta de espaço, centenas de barracos foram construídos em áreas de risco, na encosta íngreme ou sobre o córrego do Canivete. No início dos anos 2000, a prefeitura começou a pensar na sua remoção, até que em 2007, mais de 630 famílias foram removidas e transferidas para outros lugares da cidade, na zona Leste, com algum auxílio financeiro. Esse fato gerou reação de alguns setores, na medida em que obrigou famílias a procurarem emprego e escola em outro canto da cidade. Por outro lado, as ocupações no rio eram irregulares e insalubres e argumenta-se que não havia lugar para o reassentamento no próprio território.
Em 2008, o parque começou a ser criado com uma particularidade bem vinda na gestão municipal: a conjugação de esforços de esforços e verba da Secretaria do Verde e Meio Ambienta e da Secretaria da Habitação, que já estava envolvida em vários projetos de reurbanização de favelas. Em 2010, foi inaugurado. Existe uma fase 2 no projeto, mas que não tem previsão de início.
Parques são investimentos em pessoas
Alguns deles são chamados de “lineares”, porque seguem um córrego, protegendo os cursos de água e preservando as margens. Hoje, a cidade conta com 24 parques lineares geridos pela Secretaria do Verde e do Meio Ambiente.
Segundo o arquiteto urbanista Sun Alex, Diretor da Divisão Técnica de Políticas Ambientais e Transportes Não Motorizados do Departamento de Planejamento Ambiental da Secretaria e principal responsável pelo projeto, o Canivete é uma das primeiras experiências que se aproximam do que foi recomendo pelo Plano Diretor de 2002.
E o que diz o Plano Diretor de 2002 sobre esses tais parques lineares? Que eles são “intervenções urbanísticas que visam recuperar para os cidadãos a consciência do sítio natural em que vivem, ampliando progressivamente as áreas verdes”. Esse conceito, reiterado no Plano Diretor de 2014, no fundo quer dizer que os parques vão muito além de uma área verde, e passam a ser elementos importantes na estruturação urbanística de onde são inseridos. Como consequência, os parques lineares são naturalmente uma questão intersetorial, envolvendo programas de saneamento, urbanização de favelas e áreas verdes.
Isso permite imaginar que mesmo uma secretaria sem muitos recursos, como é o caso da Secretaria do Verde, com orçamento de menos de 0,5% dos R$ 56 bilhões da cidade, pode ganhar fôlego para esses projetos se eles fizerem parte de planos intersetoriais. No orçamento de 2018 da Prefeitura, o Fundo Municipal de Parques está praticamente zerado, provavelmente contando com os recursos da concessão dos parques a entes privados, que foi pouco discutida e está suspensa. Por outro lado, existem recursos previstos em várias áreas, como o Fundo Municipal de Saneamento Ambiental e Infraestrutura, além de várias secretarias, como habitação, prefeituras regionais e até saúde que poderiam trabalhar juntas, para projetos desse tipo.
O retorno dos parques para os moradores do entorno
É razoável pensar que o investimento em parques e espaços públicos tenha impactos positivos em muitas frentes.
Em áreas muito mais violentas do que a média da cidade, com poucas opções de lazer e frequentemente dominadas por facções, um espaço público como um parque talvez deva ser encarado como um investimento na saúde das crianças e adultos, na diminuição da violência, na redução da criminalidade e até na qualidade do ar, ao oferecer um pouco de verde, sombra e árvores frutíferas em meio a um ambiente congestionado e com poucos horizontes.
Os investimentos em outros projetos desse tipo, portanto, poderiam e deveriam ser retomados, assim como um plano para garantir o custeio dessas áreas. Há que fazer escolhas, claro, mas, se houver um trabalho de medir os resultados nos locais onde parques são instalados, é possível que a gente consiga entender de verdade a amplitude do retorno do investimento.
Para Sun Alex, o fato de São Paulo já ter feito o investimento em alguns projetos-piloto, como o Canivete e o premiado Cantinho do Céu, permite que se avalie precisamente o que deu certo e o que deu errado, de modo a tornar os próximos projetos mais justos e mais eficientes.
Os bairros da periferia têm nos parques um bom aliado, para reduzir um pouquinho a enorme desigualdade com a região central da cidade e, principalmente, tornar mais digna a vida cotidiana.
Se quiser saber mais sobre o parque, aí estão algumas referências:
Gestão de parques lineares em periferia na cidade de São Paulo: o caso do Parque Linear do Canivete / Dulce Helena Cazzuni, Fernanda Mendes Aidar, Hannah Arcuschin Machado. – 2017.
Parque Linear do Canivete. Carolina Morais Dulce Cazzuni Fernanda Aidar Rita Paulon Santiago Martiarena.
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