Publicado às 11h45
Folha de SP
O surto de sarampo que assusta São Paulo e acumula quase mil casos registrados pode ser explicado por mutações no vírus que circula na cidade, diz Edison Luiz Durigon, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e um dos virologistas mais respeitados do país.
O surto anterior da doença, que chegou a ser considerada erradicada no Brasil na década passada, ocorreu em 1999. A versão atual, porém, é outra.
Ainda assim, a vacina protege contra esse tipo do vírus do sarampo, o D-8. O problema é que a quantidade de anticorpos no organismo de quem tomou imunização (feita com o vírus do tipo A) despenca após 15 anos da aplicação.
Por isso, quem nunca foi imunizado ou tomou a injeção há muito tempo deve ser vacinado. A OMS estima que de 2000 a 2017 tenham sido evitadas 21 milhões de mortes por sarampo graças à vacina.
Com a quantidade de anticorpos gerada por uma vacina tomada recentemente, o corpo consegue neutralizar os vírus dos diversos tipos (8 ao todo, de A a H) e subtipos (24, distribuídos entre os tipos).
Em geral as pessoas tomam a primeira dose da imunização no primeiro ano de vida, mas o reforço às vezes é deixado de lado, o que explica o foco das campanhas em adolescentes e adultos jovens.
Com poucos anticorpos no organismo, o vírus consegue se replicar, e algumas dessas pessoas desenvolvem a doença. Em outros casos, mesmo que não haja sintomas, as pessoas passam a funcionar como fábricas móveis de vírus e a espalhá-los por meio da respiração, tosse e espirro.
Pessoas que viveram a década de 1970 provavelmente já tiveram contato com o vírus selvagem (a vacina usa a versão atenuada). Nesse caso, a memória imunológica é mais forte e tende a manter a pessoa saudável.
A estratégia empregada para controlar o atual surto é adequada, diz o virologista. Como em 1999, passaram a ser imunizados bebês a partir dos 6 meses de vida. Seria importante prever reforços aos 15 e aos 30 anos de idade.
Durigon afirma que a explosão de casos no estado não era totalmente inesperada.
Os vírus D-8 circulavam normalmente na Europa e começaram a pipocar há cerca de um ano na Venezuela e na região Norte do país. “Como eram poucos casos, achávamos que a doença estava se espalhando entre pessoas não vacinadas.”
Também houve casos em um navio que esteve no porto de Santos, em fevereiro. Logo depois, profissionais de saúde começaram a receber progressivamente mais casos.
Marilda Siqueira, chefe do Laboratório de Vírus Respiratório e Sarampo da Fiocruz, referência nacional, diz que o vírus do sarampo é muito estável, ou seja, mesmo muito tempo depois da construção da vacina, ela ainda funciona contra novas versões.
Ela, que integra o comitê da ONU para classificar o vírus do sarampo, explica que as divisões em genótipos (de A a H) e subtipos dentro dos genótipos ajuda a descobrir o caminho que um vírus percorreu.
“Houve o caso de um paciente que saiu da Malásia, foi até Frankfurt e depois veio até São Paulo. E o vírus que essa pessoa apresentava tinha características dos que circulavam na Malásia”, relata.
Saber que é o tipo D-8 que circula também pode ajudar a avaliar a estratégia de combate, diz a pesquisadora.
“O governo faz campanha, os estados e municípios trabalham, fazem imunização de bloqueio, vão a escolas, shoppings. Depois, vê um caso aqui, outro ali. Foi tudo à toa? Testa. Se for um tipo diferente, é um novo surto; a estratégia anterior funcionou.”
A variação genética entre os tipos é, em média, entre 5% e 7% no DNA viral. Por ora, as proteínas virais às quais os anticorpos produzidos pelo corpo humano se ligam continuam muito semelhantes entre si, mantendo a vacina eficaz.
É possível, contudo, que no futuro seja necessário produzir uma nova imunização contra o sarampo, diz Durigon.
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