Publicado às 9h20
Folha de SP
A gestão Bruno Covas (PSDB) delegou a compra de frutas, verduras e legumes para a direção das creches conveniadas da cidade e acendeu alerta entre nutricionistas para possível piora da qualidade do alimento.
A medida agrada vereadores que têm forte influência sobre as entidades conveniadas e contraria conselho alimentar da própria prefeitura.
A rede conveniada representa 280 mil das 340 mil vagas de creche. Das 35 mil novas vagas previstas, a maioria também será criada neste formato.
As creches conveniadas foram a forma que sucessivas gestões conseguiram para aumentar o número de vagas disponíveis. No entanto, devido à falta de funcionários para fiscalizar, a gestão tem menor controle sobre essas unidades —cuja qualidade varia muito dependendo da entidade responsável. Funcionários que atuam na educação municipal afirmam que agora a disparidade poderá se refletir também na alimentação das crianças.
O Conselho de Alimentação Escolar da Cidade de São Paulo emitiu nota em que recomenda que o envio de alimentos não seja substituído pelo envio de dinheiro. “A aquisição e oferta de produtos como frutas, verduras e legumes será muito difícil de acompanhar e fiscalizar, pois é difícil de ser estocado”, afirma nota do órgão deliberativo, fiscalizador e de assessoramento do programa de alimentação escolar.
As entidades veem a medida como ação para diminuir custos. “Ao repassar para as entidades e tarefa de comprar os alimentos há economia na parte logística. É uma redução de custo que impacta no direito humano à alimentação”, diz diz Vera Vilela, presidente do Comusan (Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional).
De acordo com a gestão Covas, com a mudança, a prefeitura aumentará o valor dos repasses em 3,85%. Entre as supostas vantagens anunciadas, estão diminuição do trânsito na cidade, incentivo à economia local e autonomia das creches.
As conveniadas já são responsáveis por comprar as carnes servidas na merenda, o que já se mostra problemático. Nutricionistas que integram o Conselho de Alimentação Escolar denunciam rotineiramente uma série de irregularidades oficializadas em relatórios oficiais que evidenciam falhas na supervisão por parte da municipalidade.
Em uma unidade, segundo o conselho, foi verificada a oferta de miúdos como fonte de proteína animal. Houve visita a escola em que nutricionistas constataram prato servido às crianças com até cinco vezes menos proteína do que o recomendado pela Coordenadoria de Alimentação Escolar.
“As equipes da prefeitura são desfalcadas e não dão conta de avaliar a merenda servida em mais de mil creches conveniadas. Isso acaba redundando em visitas muito esporádicas, a maioria é vistoriada por nutricionistas uma vez por semestre”, diz a presidente do Comusan.
Além disso, há preocupação em relação à apresentação das notas fiscais de compras de alimentos por parte da direção das entidades. Fiscais do conselho relatam com frequência a dificuldade dos terceirizados em lhes apresentar os comprovantes durante as visitas.
As notas são importantes para comprovar a aquisição de alimentos orgânicos, por exemplo. Lei federal de 2009 condiciona 30% do repasse do Programa Nacional de Alimentação Escolar às escolas públicas à compra de alimentos fornecidos pela agricultura familiar, que deve ser comprovada com nota fiscal. No ano passado, R$ 120 milhões do orçamento de cerca de R$ 800 milhões da alimentação nas escolas veio desse repasse federal.
A secretaria de Educação, em nota, afirmou que toda fiscalização das merendas gera um relatório e, quanto há irregularidades, a coordenadoria toma as providências cabíveis imediatamente. Em relação aos conselhos, a pasta informou que nutricionistas vão acompanhar a compra de frutas, verduras, legumes e ovos.
Outra atividade que fica a cargo das entidades, a escolha das locações, gerou uma indústria de pagamentos de aluguéis superfaturados e a donos de imóveis ligados a vereadores, conforme a Folha revelou no ano passado.
O aumento dos repasses concentra ainda mais poder na mão das conveniadas e, consequentemente, dos vereadores. A possibilidade de escolha dos fornecedores aumenta a chance de sobrepreço e favorecimentos, assim como ocorreu com os aluguéis.
O evento para anunciar a mudança ocorreu na Câmara Municipal, ao lado de vereadores aliados. Na ocasião, o prefeito Covas saiu sem falar com a imprensa.
Aos jornalistas, o secretário de Educação, João Cury, defendeu a medida, que definiu como de confiança em relação às entidades. “A fiscalização também é uma preocupação nossa. Agora a gente tem os órgãos de de controle, Tribunal de Contas, Ministério Público, a própria Câmara Municipal está muito presente nessa fiscalização para garantir a qualidade. Tá aqui o nosso vereador Fabio Riva (PSDB), trabalhando inclusive nesse sentido”, disse.
Ele afirmou ainda ver vantagens na autonomia para as entidades. “A gente confia nessas entidades, imagina que elas podem fazer melhor, mais, com o dinheiro na mão, a mãe próxima ajudando a fiscalizar”.
Apesar de ação diminuir o poder de barganha em relação ao preço, Cury citou que entidades com mais de uma creche terão maior poder de negociação. “Tem entidades que têm mais de uma creche. É muito comum isso. Quando ela recebe, compra para cinco, seis creches. Tem entidade que tem dez creches. Então, a hora que ela recebe o recurso ela vai também ter um poder de compra maior porque ela vai receber o recurso de dez creches e negociar com o fornecedor essa compra”.
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