COTIDIANO

Em derrota para Doria, Câmara de SP congela reforma da previdência

Vereadores da base aliada da prefeitura decidiram estudar o projeto por 120 dias

Publicado às 9h

Folha de SP

Sob intensa pressão de servidores municipais e sem conseguir o apoio suficiente de vereadores, o prefeito João Doria(PSDB) viu fracassar a intenção de ter aprovado seu projeto de reforma da previdência municipal antes de deixar a Prefeitura de São Paulo.

O tucano deixará o cargo no início de abril, após somente 15 meses no cargo, para disputar a eleição ao governo do estado. Na campanha, imaginava dizer que conseguiu aprovar em âmbito municipal uma reforma da previdência que o governo Michel Temer (MDB) ainda não teve sucesso na esfera federal.

A gestão Doria tem argumentado que a aprovação da reforma é fundamental para a saúde financeira do município. Segundo cálculos da prefeitura, o déficit da previdência chegará a R$ 20,8 bilhões em 2025 caso a reforma não seja feita. Em menos de sete anos, afirma, o orçamento total da administração será tomado por gastos obrigatórios.

O projeto de lei que agora será revisto prevê o aumento de alíquota de contribuição dos servidores de 11% para 14%. A versão inicial continha alíquota suplementar de 5% para todos os que recebem acima do teto do INSS (R$ 5.645), mas ela foi suprimida após pressão dos funcionários públicos.

Nesta terça-feira (27), ao perceber que não teria os 28 votos necessários para conseguir a aprovação do projeto em primeira votação, Milton Leite (DEM), presidente da Câmara, anunciou a retirada do texto da pauta por um prazo de 120 dias. A Câmara tem 55 vereadores, sendo apenas 11 deles de oposição a Doria.
Principal aliado do prefeito no Legislativo, o vereador disse que o projeto passará agora por comissão de estudos, que manterá relação contínua com sindicatos e demais órgãos envolvidos na discussão. Milton Leite falou na construção de um novo texto.

Assim que o congelamento da reforma foi anunciado, servidores municipais em greve realizaram uma rápida assembleia e decidiram retornar ao trabalho. Ao menos metade das escolas da cidade, por exemplo, estavam completamente paradas havia algumas semanas.

Os servidores vinham repetindo manifestações com dezenas de milhares de pessoas, como nesta terça em frente à Câmara, o que fez vereadores hesitarem em apoiar publicamente o projeto de lei.

Presidente do sindicato dos professores, o vereador Cláudio Fonseca (PPS) comemorou o que viu como vitória da “pressão nas ruas”.

“Turrão como sempre, o Doria achou que podia ir mais longe do que de fato tinha capacidade. Não sei quem colocou na cabeça dele que seria uma extraordinária vitória conseguir uma reforma que o governo federal não fez. Os servidores conseguiram uma trégua de 120 dias. Agora nosso papel é discutir com o próximo governo. A atual gestão deveria pedir desculpas a todos que foram prejudicados pela greve. Poderia ter sido evitado. Tomara que o Doria leve isso como experiência: nem sempre a força vence”, disse Fonseca, que, junto a outros vereadores, tem criticado a falta de diálogo no encaminhamento do projeto.

FORTE APOSTA

Para ver a sua proposta de reforma aprovada, Doria lançou mão de diferentes artifícios nos últimos dias e colocou uma campanha publicitária no ar em defesa do projeto.

Em entrevista nesta terça, ele prometeu reajuste aos funcionários públicos que recebem o piso da categoria (R$ 1.132) caso a reforma da previdência fosse colocada em prática. O piso iria a R$ 1.400.

Um dia antes, Doria se reuniu com um grupo de vereadores do qual é mais próximo para buscar o número mínimo de votos. Ele saiu da reunião com uma conta de cerca de 23 votos, com a possibilidade de chegar próximo a 28.

Nesta terça, o tucano negou qualquer interesse eleitoral no projeto. “Não estou preocupado com eleição”, disse. “Seria mais fácil para mim jogar para o alto e deixar para o Bruno [Covas, que assume a prefeitura] fazer a reforma. Ou falar para ele deixar para o seu sucessor. Mas nem eu nem o Bruno somos irresponsáveis.”

Líder do governo na Câmara Municipal, o vereador João Jorge (PSDB) disse que o Executivo gostaria de continuar tentando a aprovação do projeto, mas que, diante da falta de votos, ele e o presidente da Câmara acharam melhor adiar o processo.

“Se tivéssemos 30 votos, com segurança de aprovação, claro que votaríamos. A pressão dos servidores pesou muito [para a decisão de não votar]. Acho que a maioria dos vereadores ainda não entendeu a gravidade da situação das finanças do município. É grave. A maior derrota é da cidade, e não do João Doria.”

Já o vereador Antonio Donato, líder do PT na Câmara, falou em fracasso retumbante do prefeito.

“Poucas vezes um prefeito de São Paulo teve uma derrota tão grande. Colocou o projeto como prioritário e não conseguiu aprová-lo mesmo tendo uma base aliada de 44 vereadores. O funcionalismo mobilizado conseguiu sensibilizar os vereadores e fez o Doria sair da prefeitura da pior maneira possível: com uma derrota imensa.”

Secretário de Gestão e um dos principais responsáveis pelo projeto de reforma da previdência, Paulo Uebel diz que as eleições podem atrapalhar a votação do projeto ainda em 2018.

“O debate continua, vamos conversar com sindicatos nesses quatros meses, fazer ajustes. Entendemos que a Câmara é soberana e que alguns vereadores não estavam confortáveis em votar favoravelmente. O prefeito, como grande democrata, respeita. A Câmara tem o tempo dela, o Executivo tem que respeitar. É difícil dizer se vai ser mesmo votado neste ano. Dada a proximidade do calendário eleitoral, pode ser adiado”, disse à Folha.

Em nota, a gestão disse que “o prefeito João Doria reafirma sua mais profunda convicção de que a reforma da previdência dos servidores municipais é necessária”.

“A cidade não pode seguir retirando recursos de áreas essenciais, como saúde, educação, segurança e habitação, para cobrir um rombo que no ano passado foi de R$ 4,7 bilhões e neste ano vai chegar a R$ 5,8 bilhões. O prefeito respeita a autonomia da Câmara Municipal na sua decisão soberana. Afirma ainda que fez a sua parte, defendendo a cidade e a responsabilidade fiscal da prefeitura”, diz a nota.

“Nós fizemos nosso papel. Nossa obrigação era alertá-la [a Câmara] sobre a importância da reforma da previdência”, disse o tucano na noite desta terça antes da pré-estreia de “Nada a Perder”, cinebiografia do bispo Edir Macedo.

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