COTIDIANO

Faculdade de Medicina da USP não alcançou meta de cota racial para 2018

Pelo menos 35 dos 248 calouros dos cursos da unidade deveriam ter sido alunos de escola pública pretos, pardos ou indígenas, mas esse número só chegou a 33. USP diz que cumpriu a meta considerando todos os aprovados na Fuvest e no Sisu

Publicado às 12h

G1 São Paulo

No primeiro ano de aplicação de cotas sociais e raciais na Universidade de São Paulo (USP), a Faculdade de Medicina não conseguiu matricular o número mínimo esperado de estudantes autodeclarados pretos, pardos ou indígenas (PPI). A USP diz, porém, que considerando todos os mais de 11 mil calouros de todos os cursos, conseguiu atingir a proporção mínima determinada pela política de cotas.

Dados obtidos pelo G1 mostram que, das 250 vagas oferecidas no vestibular para as quatro carreiras da FMUSP (medicina, fisioteria, fonoaudiologia e terapia ocupacional), 248 acabaram preenchidas. Dessas, 109 matrículas foram feitas por estudantes que fizeram o ensino médio na rede pública, sendo que 33 deles também se autodeclararam pretos, pardos ou indígenas.

Para cumprir a cota mínima de estudantes de escola pública (categoria chamada de EP na instituição), e a de estudantes de escola pública pretos, pardos ou indígenas (categoria EP-PPI), a Faculdade de Medicina deveria ter, respectivamente, pelo menos 92 estudantes da categoria EP e, dentre eles, 35 calouros da categoria EP-PPI.

Matrículas na carreira de medicina

Para 2018, a regra de cotas da USP é obrigatória para a soma total de matrículas de cada faculdade, escola ou instituto. Os cursos específicos só terão que cumprir uma cota mínima a partir do vestibular 2019.

De acordo com os dados obtidos pelo G1, a carreira de medicina já cumpriu a cota de escola pública em 2018, mas não a da cota racial. No total, as 175 vagas oferecidas foram preenchidas, e, segundo as novas regras, pelo menos 65 deveriam ser destinadas a alunos da rede pública, e dessas, 24 tinham que ser preenchidas por alunos da rede pública e pretos, pardos ou indígenas.

Na prática, esses números foram, respectivamente, de 82 calouros que saíram do ensino médio em escola pública e 23 que são de escola pública e também se autodeclaram pretos, pardos ou indígenas.
Entenda a política de cotas da USP:
  • O sistema de cotas na USP foi aprovado em julho de 2017 pelo Conselho Universitário (CO); por ser uma universidade estadual, ela não está sujeita à Lei Federal de Cotas.
  • Pelas regras da USP, até 2021 a universidade terá metas graduaissobre a proporção de estudantes de escola pública entre os calouros matriculados a cada ano.
  • Para 2018, a proporção fixada foi de 37% para o total de matrículas de cada unidade, mas em 2019, 2020 e 2021 ela sobe para 40%, 45% e 50%, respectivamente, e vale especificamente para as matrículas de cada curso.
  • Já a cota racial segue o mesmo critério da Lei Federal de Cotas: o número de vagas reservadas para pretos, pardos e indígenas (PPI) deve corresponder à mesma proporção da população no Estado; no caso de São Paulo, a USP usa como referência a proporção de 37,5%.
  • Porém, o cálculo deve ser feito dentro da parcela de cotistas sociais: isso quer dizer que o número de vagas para os candidatos PPI na USP tem que representar 37% das vagas reservadas para quem estudou na rede pública, e não das vagas totais.
  • Além disso, apenas os estudantes pretos, pardos ou indígenas que estudaram em escola pública podem concorrer pela cota racial.

Meta foi cumprida globalmente

A USP ainda não divulgou o perfil dos calouros de todos os cursos da instituição neste ano, mas antecipou ao G1 a proporção final de estudantes de escola pública e pretos, pardos ou indígenas em relação ao total de ingressantes nos cursos de graduação em 2018.

De acordo com os dados declarados pelos estudantes no ato da matrícula, a USP matriculou 11.030 calouros neste ano, sendo que 4.744 (ou 43% do total) estudaram em escola pública, e 1.855 desses são da categoria PPI.

A USP diz ainda que a maior parte das unidades conseguiu alcançar a meta estabelecida para este ano.

Edmund Chara Bacarat, pró-reitor de Graduação da USP, afirmou que a meta da universidade é “ampliar o percentual de ingressantes de escolas públicas e PPI, de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo governo do Estado de São Paulo”.

O próximo vestibular da Fuvest, que está com inscrições abertas até 14 de setembro, será o primeiro em que as vagas serão reservadas em diferentes modalidades desde o início.

“Assim como já ocorre no Sisu, ao escolher sua carreira e seu curso, o vestibulando terá três opções: Ampla Concorrência (AC), Ação Afirmativa Escola Pública (EP) e Ação Afirmativa Preto, Pardo e Indígena (PPI)”, afirmou Bacarat. “Dessa forma, com a institucionalização da reserva de vagas, a concessão de bônus deixa de existir”, explicou ele sobre o Inclusp, o programa pelo qual a USP oferecia bônus sobre a nota do vestibular para alunos de escola pública.

Maior diversidade

Estudantes e professores contaram ao G1 que, após o aumento de ingressantes que estudaram em escola pública, alguns já conseguem perceber mais diversidade na turma que ingressou em 2018.

“A impressão que eu tenho é que há sim um aumento de alunos ingressantes vindos de escola pública, resultado da ação dos programas de cotas”, diz Alexandre Ramada, calouro do curso de medicina. “Comparando as turmas do meu ano com as mais antigas, que estão no quinto ou sexto ano, por exemplo, a diversidade de alunos na minha turma é maior”, estimou ele.

“Aquele estereótipo marcante de aluno/aluna branco e rico diminuiu bastante, ainda que seja maioria. Dá para ver isso comparando com as turmas dos anos mais velhos.”

Uma professora afirmou que a maior diversidade de estudantes facilita em algumas aulas, como na hora de explicar o Sistema Único de Saúde (SUS). “Ter alunos cujas famílias são usuárias do SUS, por exemplo, é ótimo! Porque facilita dar aula sobre o SUS. Quem usa conhece melhor e dá testemunho mais próximo da realidade”, disse ela.

Falta do critério de renda

Apesar do aumento da percepção de diversidade, uma estudante que preferiu não se identificar diz que ainda são raros os estudantes de medicina da FMUSP que vêm de famílias de baixa renda.

“Não tenho como saber quem entrou com cota de escola pública ou não, mas a impressão que se tem é que a grande maioria das pessoas ali tem um poder aquisitivo alto. Creio que pode ter acontecido de algumas terem feito escola pública mesmo tendo condições financeiras, e portanto puderam pagar um cursinho de alta qualidade ao mesmo tempo”, disse a jovem.

Para ela, a falta de critérios de renda familiar na política de reserva de vagas “acaba distorcendo um pouco o objetivo dessas cotas”. Ela também afirma que conhece estudantes de baixa renda que solicitaram, mas não conseguiram auxílio financeiro da faculdade.

Para Maria José Menezes, coordenadora do Núcleo de Consciência Negra na USP, a renda dos estudantes é um fator importante para ser considerado na hora do ingresso na universidade.

“Essas políticas são voltadas à inclusão social e, se a renda não é considerada, você não engloba todo mundo. Na prática, favorece somente um grupo, e o direito ao conhecimento tem que ser alcançável por todos, a inclusão tem que ser efetiva”, afirma ela.

De acordo com a USP, nenhuma das ações consideram “critério de renda” do candidato para seleção das vagas. Mas, segundo o pró-reitor de Graduação, 39,5% dos ingressantes pela Fuvest têm renda de até cinco salários mínimos. Os dados dos estudantes que ingressaram pelo Sisu não são fornecidos pelo Ministério da Educação, que coordena a seleção.

Sisu pouco acessível

O ano de 2018 foi o primeiro em que a FMUSP aderiu ao Sisu. No total, foram oferecidas por lá 40 vagas do curso, todas para ações afirmativas: 25 para estudantes que se formaram em escola pública e 15 para estudantes de escola pública que se autodeclaram pretos, pardos ou indígenas.

Em nenhuma das duas modalidades o sistema conseguiu calcular as notas de corte parciais, o que significa que não houve candidatos inscritos em número maior do que as vagas oferecidas. Um dos fatores determinantes para isso foi a alta exigência de nota: para concorrer às vagas no Sisu do curso de medicina na USP era preciso uma nota de pelo menos 700 pontos em todas as cinco provas do Enem 2017.

No fim do processo do Sisu, apenas uma estudante foi aprovada pela cota racial em medicina na FMUSP. As demais vagas não preenchidas foram selecionadas por candidatos da Fuvest. A USP afirmou, na época da seleção, que cumpriria os critérios das cotas, mas não informou como isso seria feito, já que a inscrição por modalidades de concorrência não existiu no ano passado.

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