Publicado às 10h40
Folha de SP
O número de flagrantes realizados pela polícia de São Paulo ausuários de drogas tem caído de forma contínua no estado ao longo dos últimos 26 meses.
Essa série de quedas começou em julho de 2016, segundo levantamento da Folha na base de dados sobre a produtividade policial disponibilizada pelo governo paulista.
O pico daquele ano se deu em março, com 3.270 ocorrências, número que caiu sem interrupções até os 1.881 casos em agosto deste ano, o que representa uma redução de 43%.
A chamada nova Lei de Drogas, de 2006, manteve o uso de substâncias ilícitas como crime, mas retirou a pena de prisão do rol de sanções. O texto, porém, não fixou qual quantidade indica uso ou tráfico, o que é definido caso a caso por delegados e juízes.
No caso de São Paulo, não existe uma explicação clara do porquê da sequência de quedas. Especialistas indicam possibilidades distintas, desde política de segurança até possível desestímulo por parte dos policiais diante da pouca efetividade dessas prisões.
A gestão Márcio França (PSB) disse ver nessa redução um “resultado da confiança empenhada no trabalho dos policiais no combate à criminalidade”. Disse não vê-la como redução de produtividade. “Essa queda não representa a diminuição da atividade policial e, sim, a diminuição do número de crimes no estado”, diz trecho de nota.
O governo nega maior tolerância ao consumo de drogas até porque, segundo ele, houve um aumento no número de drogas apreendidas em 2018.
“Nos primeiros oito meses deste ano, foram apreendidas 130 toneladas de droga —resultado 68,83% maior do que o registrado no mesmo período de 2015. Nos últimos dois anos, 127.449 criminosos diretamente envolvidos com o tráfico foram presos em SP.”
Os dados de produtividade mostram aumento no número de ocorrências de tráfico de droga: no acumulado do ano, tiveram uma elevação de 3% —foram de 32.786 registros para 33.829. Já o número de ocorrências de porte de drogas caiu 21% no acumulado do ano, comparando com 2017.
Apesar dessa afirmação, a Secretaria da Segurança Pública não informa a quantidade total de abordagens feitas pela polícia nesse período.
A pasta, sob comando do secretário Mágino Alves Barbosa Filho, recomendou à reportagem que buscasse esse número por meio de um pedido à própria secretaria, mas via Lei de Acesso à Informação.
São nessas revistas, corporais ou em veículos, que as polícias conseguem encontrar drogas e armas, por exemplo.
Para o coronel da reserva Glauco Carvalho, ex-comandante da PM na capital, os dados indicam um possível direcionamento da polícia para o combate do tráfico (em detrimento do consumo) ou, até, contra crimes patrimoniais.
“Pode ser até o desestímulo do PM que leva o usuário para o DP , permanece quatro horas por lá e, ao final, sai todo mundo pela porta frente”, diz.
O diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, diz que os dados indicam mais a capacidade de resposta das polícias do que fenômeno do crime em si. “A redução não é necessariamente ruim porque você libera tempo para investigação e operações mais complexas”, diz ele.
“Essa redução da produtividade precisa ser mais bem compreendida. Pode ser queda do crime mesmo, crise financeira e de gestão das polícias, ou, uma terceira possibilidade, seria um eventual boicote por parte dos policiais.”
A descriminalização do porte começou a ser discutida no STF (Supremo Tribunal Federal), em 2015, mas o processo foi suspenso e não há data para ser retomado.
Três ministros já apresentaram votos favoráveis, sendo que dois deles restringiram a liberação à maconha. Falou-se também da necessidade de critérios objetivos para a distinção entre uso e tráfico.
Acusados de tráfico de drogas costumam aguardar julgamento em prisão provisória. Se condenados, recebem pena de pelo menos cinco anos de prisão. Muitas vezes, no tribunal, o policial que fez a abordagem é a única testemunha e é decisivo no encaminhamento sobre uso ou tráfico.
Pesquisadora do Instituto Igarapé, Ana Paula Pellegrino diz que os dados do governo sobre porte de droga são insuficientes para entender o que ocorreu em São Paulo: se houve uma mudança de política de segurança ou no comportamento dos usuários.
Em sua opinião, se a polícia estiver destinando maior efetivo ao combate ao tráfico poder ser positivo, mas ela faz uma ressalva. “O que precisa priorizar não é apreensão de drogas, mas ações de desmantelamento do crime organizado“, disse.
Como mostrou a Folha, metade das ocorrências policiais de tráfico de maconha do estado de São Paulo envolve pessoas que portam, no máximo, 40 gramas da erva, quantidade equivalente a dois bombons.
Isso corresponde ao limite de porte para usuários no Uruguai, que legalizou e regulou o mercado de maconha. Em Portugal, que descriminalizou o uso de drogas, 25 gramas são um indicativo de uso. Na Colômbia, a marca é de 20 gramas.
No caso de São Paulo, os dados são de pesquisa do Instituto Sou da Paz, que analisou cerca de 200 mil ocorrências de crimes ligados a drogas entre 2015 e 2017. O estado tem uma a cada quatro ocorrências de drogas do país.
Segundo a pesquisa, duas de cada cinco ocorrências policiais de drogas em São Paulo são de pessoas que portavam para uso pessoal.
No outro extremo estão as ocorrências que envolvem toneladas das substâncias consideradas ilícitas. O levantamento revela que apenas 1% das ocorrências de tráfico de maconha são responsáveis por 76% do total de droga apreendida. No caso de cocaína, 1% dos casos respondem a 56% das apreensões. No do crack, 1% corresponde a 66% da droga confiscada.
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