Publicado às 9h40
Folha de SP
A Prefeitura de São Paulo não lançará mais nenhum edital de concessão de parques sem antes elaborar um plano diretor sobre o que pode ou não ser feito nas áreas concedidas à iniciativa privada.
Esse foi o resultado de uma audiência de conciliação feita nesta quinta-feira (21) entre a gestão Bruno Covas (PSDB) e o vereador Gilberto Natalini (PV) sobre o parque municipal Chácara do Jockey.
“Novos editais deverão observar a exigência de apresentação prévia, por parte do município, do Plano Diretor”, diz o termo de conciliação assinado nesta quinta.
O vereador havia ajuizado uma ação popular na última sexta (15) pedindo a suspensão da concessão da Chácara do Jockey, na zona oeste de São Paulo. Uma das queixas é a falta de um plano diretor, que estabeleça os usos permitidos.
Na audiência, ficou decidido que a abertura dos envelopes com o nome da empresa vencedora da concorrência, que vai administrar o parque por 35 anos, continuará prevista para a próxima terça (26).
Contudo, o contrato só será assinado após a elaboração do plano diretor, que deve ser apresentado em no máximo seis meses. A mesma queixa foi feita sobre a concessão do Ibirapuera, que teve desfecho similar, após acordo com a prefeitura.
A Chácara do Jockey é um dos parques mais novos de São Paulo (foi aberto à população há menos de três anos) será concedida à iniciativa privada durante 35 anos por R$ 1,1 milhão. Para ser criado, em 2016, o parque envolveu R$ 153 milhões.
O local tem 143 mil m² —área maior que a dos parques da Aclimação e Buenos Aires somados— e foi criado após três décadas de pressão da população do entorno, que viam a área verde como fundamental para escoamento das constantes inundações do córrego Pirajussara.
A prefeitura se apropriou do terreno em 2014, após o Jockey Clube, antigo dono, acumular R$ 133 milhões em dívidas de IPTU —por quase 50 anos, o local foi de fato uma chácara, dedicada à criação e confinamento de cavalos de corrida.
Depois de um investimento de R$ 20 milhões, o parque abriu as portas à população em maio de 2016, com uma das maiores pistas de skate do país e um polo cultural com oficinas e produção artística, além da área verde.
Quando João Doria (PSDB) assumiu a prefeitura, em 2017, anunciou a concessão de todos os parques da cidade, entre eles o da Chácara do Jockey, um dos mais avançados no processo de concessão.
No ano passado, a prefeitura anunciou que o valor mínimo de outorga seria R$ 4,8 milhões pela concessão em 35 anos. Quando o edital foi publicado, a administração baixou o lance mínimo para R$ 1,1 milhão.
Há uma série de intervenções obrigatórias, que, segundo a prefeitura, foram orçadas em R$ 12,5 milhões, e que devem ser feitas em até seis anos, como reformas e investimento em caminhos, parquinho infantil e mobiliário urbano.
A justificativa é que os benefícios financeiros para a cidade chegam a R$ 102 milhões, considerando ainda R$ 12 milhões de impostos e uma economia de R$ 77 milhões com manutenção nos 35 anos em que a área estiver concedida.
No plano de negócios elaborado pela gestão Covas para atrair interessados, a administração prevê que o vencedor da licitação tenha uma receita bruta de R$ 14 milhões por ano com a administração do parque.
A principal fonte de receita seria a comercialização de alimentos e bebidas, estimada em R$ 6,8 milhões por ano. Também se prevê até sete eventos mensais no parque, como shows, que, segundo o cálculo municipal, podem gerar receita de R$ 1,5 milhão, considerando um aluguel diário médio de R$ 18,5 mil.
Estima-se ainda uma receita bruta média de R$ 1,7 milhão por ano com 160 vagas de estacionamento (considerando um valor médio de R$ 10 por uso). Aluguel de vestiários, bicicletas, cinema ao ar livre e até a cobrança por wi-fi podem gerar mais R$ 190 mil por ano para o vencedor da concorrência.
Outra fonte de renda seria a adaptação das antigas edificações da chácara para criar salas comerciais (que poderiam ser alugadas) e até hotelaria.
Segundo o cálculo da prefeitura que consta no edital, o vencedor da licitação terá lucro líquido já no primeiro ano, de R$ 380,7 mil em 2019, e que passará de R$ 1 milhão a partir de 2026 —em valores de hoje.
A comunidade do entorno reagiu. “A gente nunca se colocou contra a concessão, mas à forma que ela está sendo feita”, resume o professor Francisco Eduardo Bodião, do Movimento Parque Chácara do Jockey, criado no ano 2000 para pressionar pela formação do parque.
“A gente quer investimento, a gente entende que existe uma agenda de buscar apoio na iniciativa privada, a gente entende o momento que está vivendo, mas não concorda com como eles estão fazendo.”
O ponto chave, dizem, é justamente a falta de um plano diretor que estabeleça os usos permitidos. Ele reclama da transformação do polo cultural em local de exploração comercial e do número de shows permitidos. “As duas últimas viradas culturais foram uma tragédia para o parque e para o entorno. O parque é uma zona de proteção ambiental. Teve morte de animal, fuga do parque. Você encontra a 2 km gambás atropelados, ninho de pássaro que caiu de árvore, filhote morto porque os pais abandonam o ninho”, diz.
No começo do mês, o Caex, órgão técnico do Ministério Público, emitiu um parecer em que se posiciona contra pontos do edital publicado pela prefeitura, concorda com a exigência de um plano diretor e diz que a melhor saída seria que a prefeitura mantivesse a gestão junto à concessionária, que poderia explorar atividades pontuais que possam gerar renda sem prejudicar as funções do parque.
A Promotoria chama de “incompatível com os usos previstos para uma área verde, parque público e zona especial de proteção ambiental” o plano arquitetônico da prefeitura para o parque, “principalmente a instalação de hotel, salas comerciais, realização de shows e eventos no campo de futebol, entre outros”.
O parecer se posiciona contra a realização de eventos, uma vez que o edital “não especifica porte, quantidade máxima, finalidade, é um cheque em branco que pode prejudicar o equilíbrio socioambiental do parque”.
O promotor de Justiça do Meio Ambiente Carlos Henrique Prestes Camargo acompanha o processo de concessão e diz que vai buscar um acordo pacífico com a prefeitura, parecido com o desfecho dado à concessão do Ibirapuera —em que a desestatização foi suspensa por seis meses até a elaboração de um plano diretor. Ele ajuizou uma ação civil pública contra a concessão.
Em agosto do ano passado, o prefeito Bruno Covas alterou lei municipal e retirou o poder deliberativo dos conselhos gestores dos parques, que passaram a ter função apenas consultiva e fiscalizadora.
A prefeitura diz que o objetivo da concessão é “intensificar e diversificar os usos do parque, oferecer melhor qualidade na prestação de serviços aos usuários e, ainda, desonerar o cidadão paulistano.”
“O futuro concessionário, além de concluir o plano original de investimentos do parque, assumirá a responsabilidade integral pela administração do equipamento, incluindo o manejo de áreas verdes, o cuidado com a fauna e flora, a limpeza das áreas e a vigilância.”
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