Publicado às 9h40
Folha de SP
A estudante Clarice Monteiro, 24, teve que interromper a conversa com a reportagem na última segunda-feira (17). Estava na saída do metrô e sentiu que, com o celular na mão, poderia ser assaltada. Minutos depois, ligou de volta para continuar a falar sobre um furto que sofrera em junho, em um ônibus, quando abriram sua bolsa e levaram o celular sem que ela percebesse nada.
Clarice não registrou boletim de ocorrência. “Acho que é importante para ver a criminalidade de cada bairro, mas é meio inútil para recuperar meu celular”, afirma.
Concordam com ela mais da metade das vítimas de furto e de roubo na capital paulista no último ano, segundo a pesquisa Vitimização em São Paulo, do Centro de Políticas Públicas do Insper.
Entre os entrevistados que foram assaltados no último ano, dizem que não procuraram a polícia 52% das vítimas de roubo e 64% das vítimas de furto à pessoa, quando o indivíduo foi alvo do crime, não sua casa ou seu carro.
As estatísticas pioram quando se trata de roubo e furto a residência, mas caem quando se trata de roubo e furto de veículo —nesse caso, é comum que as seguradoras exijam o registro do crime, o que leva a notificações mais altas.
Os percentuais são similares aos dos que, mesmo informando a polícia, não registram boletim de ocorrência. Entre os motivos para não registrar o crime, o mais citado é que “não adianta, é perda de tempo ou não confia na polícia”.
O índice dá uma noção da subnotificação desses crimes na capital paulista e leva a crer que os números reais de roubo e furto na capital possam ser o dobro do que é mostrado nas estatísticas oficiais, afirmam especialistas. De janeiro a julho deste ano, foram registrados na cidade 96.556 roubos e 141.876 furtos.
Para o coordenador da pesquisa, o economista Naercio Menezes Filho, o resultado do estudo mostra que é um problema sério, que prejudica as estatísticas de violência.
Para incentivar o registro, diz ele, é preciso ter maior efetividade da polícia na resolução de casos. “A gente sabe que no Brasil a taxa de resolução de crimes é bastante baixa, mesmo de homicídios, que é bastante grave. Quem dirá dos crimes menores.”
Esta é a quarta edição da pesquisa, realizada pela primeira vez em 2003 e feita a cada cinco anos. Foram ouvidas 3.000 pessoas na capital. Segundo os pesquisadores, a vantagem do estudo de vitimização é identificar crimes que possam estar subestimados nas estatísticas oficiais.
Mesmo baixas, as taxas de quem notifica a polícia subiram em relação aos estudos anteriores, fato que é ressaltado pela Secretaria da Segurança Pública de São Paulo. O aumento, diz a pasta, ocorreu com o boletim de ocorrência eletrônico, a partir de 2013. O governo diz que o registro “é uma opção da vítima, e a subnotificação é fato no mundo todo”.
Outro dado que o estudo traz é que 26% dos entrevistados disseram já terem sido ameaçados com arma de fogo ao longo da vida —em 2013, o a proporção foi de 17%.
Para Menezes Filho, que diz já ter sido ameaçado três vezes com armas em tentativas de assalto, “é um número altíssimo, que contribui para a sensação de insegurança.”
A pesquisa mede também a percepção da violência entre os paulistanos. A maior parte dos entrevistados afirma que sente medo quando pensa em violência, evita pensar sobre o assunto e procura não assistir a programas de TV com o tema.
Todos os índices de percepção da violência, que incluem ainda dificuldade de dormir por medo, sonhar com o assunto, acordar no meio da noite, evitar conversas e dificuldade de concentração, tiveram aumento em relação à pesquisa anterior, de 2013.
Isso contrasta com estatísticas oficiais propagandeadas pelo governo paulista. O número de homicídios na capital, por exemplo, vem em queda constante e atingiu o menor patamar no ano passado: 1.344 mortes violentas, fazendo de São Paulo a capital brasileira com a menor taxa proporcional à população.
Para o sociólogo Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a pesquisa mostra que São Paulo acompanha tendência nacional e que o tema da segurança pública entrou na agenda.
O estudo, diz ele, é “mais uma evidência que política de segurança pública não é só controlar a criminalidade, mas oferecer para a população uma perspectiva de que o Estado tem o controle da situação”, afirma.
“O Estado trabalha bastante, mas sem coordenação, cada órgão trabalha numa direção, e o que dá o tom são as facções criminosas. Crimes patrimoniais, como roubos e latrocínios, assustam muito.”
O estudo mediu também a taxa de vítimas de assédio sexual: 9,5% dos entrevistados disseram já terem sido alvo desse tipo de crime, índice que salta a 13,5% quando se trata de mulheres. A ofensa é recorrente: 34% das entrevistadas diz que já foi vítima do crime mais de seis vezes, a maior parte delas em vias públicas, praças ou pontos de ônibus (34%), no transporte público, táxi ou por aplicativo (24%) e em redes sociais (14%).
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