COTIDIANO

Piloto de helicóptero morto com Boechat fazia eventos com Papai Noel na Grande SP

Vídeos e fotos mostram Ronaldo Quattrucci levando casal natalino em aeronave a encontro com crianças em praça de Itaquaquecetuba. Serviço remunerado foi feito por 8 anos com mesmo aparelho que caiu e matou piloto e jornalista

Publicado às 12h10

G1 São Paulo

O piloto Ronaldo Quattrucci, morto recentemente com o jornalista Ricardo Boechat ao cair com seu helicóptero sobre um caminhão em uma rodovia de São Paulo, fez eventos transportando Papai e Mamãe Noel, na mesma aeronave, durante os natais de 2009 a 2016. Duas semanas antes da tragédia, ele havia participado com o mesmo aparelho de uma homenagem a um colega de profissão que morreu atropelado por um ônibus na Rodovia Bandeirantes, também na capital (leia mais abaixo).

As “caronas” ao casal natalino foram registrados em vídeos e fotos. Em uma das ocasiões, em 2012, o piloto pousou o helicóptero no Parque Piratininga, entre as ruas Joaquim Caetano e Francisco Lisboa, na cidade de Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo. Ao redor, crianças de uma comunidade carente esperavam o casal natalino entregar presentes doados.

Essa e outras imagens do então tradicional evento conhecido como Natal Solidário passaram a circular novamente nas redes sociais, mas dessa vez com homenagem a Ronaldo (veja abaixo).

Na última segunda-feira (11), o piloto, considerado experiente por colegas de profissão, tentou fazer um pouso de emergência entre o Rodonel e a Rodovia Anhanguera. A aeronave, porém, colidiu com um caminhão que saía da praça de pedágio, pegou fogo e deixou mortos Ronaldo e Boechat, que vinha de uma palestra em Campinas.

Durante oito anos, os organizadores do Natal Solidário registraram a chegada do Papai e da Mamãe Noel em Itaquaquecetuba. As cenas gravadas por celulares estão no Youtube e no Facebook. Nelas é possível ver Ronaldo pilotando o mesmo helicóptero amarelo, prefixo PT-HPG, destruído no acidente.

Numa dessas imagens as crianças aguardam a chegada do casal vestido de vermelho enquanto o locutor oficial do evento, Isaias da Paz, ao microfone, elogia a habilidade de Ronaldo na aeronave.

“Manobra sensacional do piloto, comandante Ronaldo, que está trazendo aí o Papai-Noel de helicóptero. Gente da melhor qualidade, tá certo?! Não é qualquer um que faz isso que ele está fazendo não”, disse.

“É um piloto sensacional, habilidoso”, que também pediu cuidado a quem estava em volta não se aproximar do helicóptero enquanto ele não parasse totalmente de girar as hélices. “Atenção, segura aí a criançada.”

Procurado nesta quarta-feira (13) pelo G1 para comentar como era o trabalho de Ronaldo à época e como recebeu a notícia de sua morte, Isaias, que também era um dos organizadores do Natal Solidário, enalteceu o piloto e lamentou a sua perda.

“Superprofissional, dedicado e habilidoso. Pousava em espaços bem pequenos com segurança”, contou Isaias, que também é fotógrafo.

Segundo o organizador, ele soube da morte de Ronaldo enquanto ouvia notícias do acidente numa rádio. “Alguém falou o nome dele e para mim foi um choque. Doeu bastante.”

De acordo com Isaias, o piloto cobrava de R$ 1 mil a R$ 1,6 mil cada vez que levava o Papai e a Mamãe Noel do Aeroporto Campo de Marte, na Zona Norte de São Paulo, até Itaquaquecetuba.

“Ele falava que esse valor era para pagar o combustível gasto para sair do aeroporto, sobrevoar baixo 56 ruas do bairro de Itaquá para que as crianças vissem o Papai Noel e, depois, pousar com ele e a Mamãe Noel no parque da cidade”, se recorda o organizador.

Isaias conta que conheceu Ronaldo ao procurar um piloto de helicóptero que aceitasse firmar essa parceria descrita acima. “Quando ele soube que era para atender crianças sem muitos recursos, concordou.”

O primeiro trabalho de Ronaldo com o Natal Solidário foi em 2008, mas com outro helicóptero, um Robinson 44, que levava só o Papai Noel. “Depois no Natal do ano seguinte ele sugeriu que para levar um Papai Noel e uma Mamãe Noel era preciso um helicóptero maior, justamente esse amarelo”, conta Isaias.

O organizador afirma que o Natal Solidário com helicóptero terminou em 2016 porque no ano seguinte no lugar do campo da praça usada para o pouso havia sido construída uma base de uma Guarda Municipal. “Neste ano de 2019 até cogitei voltar a entrar em contato com Ronaldo para tentar viabilizar a volta do Natal Solidário com a aeronave.”

“Ainda realizamos o Natal Solidário, mas sem o helicóptero, que nos ajudava a chamar muitas crianças para a praça. Na primeira edição foram mil crianças, na última 5 mil receberam brinquedos”, lembra Isaias.

De acordo com o organizador, para o helicóptero pousar na praça foi preciso correr atrás de diversas autorizações. “Prefeitura, Bombeiros, Conselho Tutelar, Vara da Infância e Juventude…”

Também procurada pela reportagem, a última Mamãe Noel do evento, Fabiana Almeida, conta que só tem boas recordações de Ronaldo.

“Dedicado e habilidoso. Levava duas pessoas no helicóptero com a porta aberta, mas sempre prezava pela segurança”, conta Fabiana, que trabalha como monitora de van escolar.

Por trabalhar num veículo de transporte motorizado, Fabiana acredita que a culpa do acidente que vitimou Ronaldo e Boechat é do próprio helicóptero.

“A gente está lidando com máquinas e máquinas dão problema”, falou a Mamãe-Noel. “Ele era extremamente experiente e a máquina dele parece que falhou e apareceu aquele caminhão na frente dele.”

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) suspendeu cautelarmente nesta quarta-feira (13) a RQ Serviços Aéreos Especializados, dona do helicóptero que caiu na última segunda e vitimou Boechat e Ronaldo. Com a suspensão, a empresa fica proibida de operar. O piloto era sócio proprietário dela.

Segundo a agência, havia “indícios de prática irregular de táxi-aéreo” por parte da empresa, que não tinha autorização para esse tipo de transporte.

De acordo com a Anac, a empresa possuía autorização para prestar serviços especializados, como aerofotografia e aerocinematografia, mas não possuía autorização para fazer táxi-aéreo, com o transporte remunerado de passageiros.

A agência informou ainda que as empresas envolvidas na contratação do serviço terão cinco dias úteis, a partir da publicação da suspensão no “Diário Oficial da União”, para apresentarem a documentação que comprove qual o tipo de serviço contratado.

A medida, segundo a Anac, deve ser publicada no “Diário Oficial” desta quinta-feira (14).

Questionada pelo G1 sobre o trabalho executado por Ronaldo de transportar de helicóptero Papai e Mamãe Noel em Itaquaquecetuba, a Anac respondeu que não encontrou em seu sistema nenhuma “denúncia registrada” nesse sentido.

Segundo a agência, “é importante destacar que não há como precisar que tipo de transporte foi executado na ocasião, apenas com os relatos informados”.

Ainda de acordo com a Anac, “o que diferencia uma operação de transporte de passageiros é a remuneração feita pelo serviço. Se não houve remuneração pela prestação do transporte, não há irregularidade nele, tendo em vista que a aeronave pode ser usada para ações privadas, além das certificadas como SAE – Serviços Aéreos Especializados, no caso”.

Homenagem em enterro

Quattrucci também usou seu helicóptero para homenagear um colega que foi atropelado por um ônibus enquanto pedalava em grupo de 28 ciclistas na Rodovia dos Bandeirantes, no fim de janeiro. O piloto Elwis Julio Marcioli morreu em 28 de janeiro, um dia após o acidente, que também vitimou Rafael dos Santos de Miranda, de 33 anos, e Keila Blumen, de 41 anos.

Durante o sepultamento, Quattrucci sobrevoou baixo o cemitério e jogou pétalas de flores sobre o ponto onde ocorria a cerimônia. Além do Bell Helicopter amarelo, outra aeronave pilotada por mais um amigo de Marcioli também participou da homenagem.

Emocionados, parentes e amigos presentes no enterro filmaram o tributo, e vídeos foram postados nas redes sociais.

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