COTIDIANO

SP terá mesa de negociação para receber R$ 4 bi em multa ambiental atrasada

Críticos temem que administração municipal da cidade de São Paulo perdoe devedores

Publicado às 9h

Folha de SP

Com R$ 4,2 bilhões é possível fazer a manutenção do parque Ibirapuera por 200 anos ou construir 433 corredores verdes por São Paulo do mesmo tamanho do que está na avenida 23 de maio, que liga a zona sul ao centro. E a Prefeitura de São Paulo tem esse dinheiro a receber para usar justamente nisso: em programas ambientais. Mas o recurso não chega.

Esse é o valor total que a prefeitura tem a receber de multas ambientais que nunca foram pagas e, para garantir o recurso, a gestão Bruno Covas (PSDB) pretende abrir mesas de negociação com devedores antigos, de modo a garantir que o montante seja aplicado na área ambiental.

A gestão municipal tem 4.500 infrações ambientais que não foram pagas e somam R$ 1,3 bilhão. Corrigidos pela inflação, o valor chega a R$ 4,2 bilhões, segundo a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente. Esse valor é 20 vezes maior que todo o orçamento da própria pasta em 2018, que foi de R$ 205,7 milhões.

Os valores arrecadados com infrações ambientais devem ser aplicados no Fema (Fundo Especial do Meio Ambiente), que, para este ano, tinha nos cofres R$ 30,7 milhões. Quando essas multas vão para a dívida ativa da prefeitura e são cobradas judicialmente, no entanto, o valor arrecadado vai para o cofre municipal e perde a obrigatoriedade de ser aplicado em programas ambientais.

A Secretaria do Verde da gestão Covas planeja facilitar o pagamento desses débitos, de modo a garantir que o montante seja aplicado na área ambiental.

Um grupo de trabalho no Confema (conselho gestor do Fema) levantou quanto a gestão tinha a receber. Os montantes são altos e antigos: a multa mais cara é de R$ 91 milhões, de dezembro de 2012 e que até hoje não foi paga.

A secretaria criou, agora, no Cades (Conselho Municipal do Meio-Ambiente), uma “Comissão Especial para Conciliação e Mediação de Passivos Ambientais em Processos Administrativos”.

“Nós criamos uma comissão no sentido de fazer um levantamento e tentar aproximar esse devedor mais próximo de uma composição, de um acordo”, diz o secretário Eduardo de Castro, que fala em “conciliação, arbitragem”.

Há, no entanto, quem veja risco de a administração perdoar devedores.

Para Thobias Furtado, membro do Cades e do conselho gestor do Ibirapuera, a comissão só funcionará se, antes, houver “uma análise e proposta de revisão metodológica da aplicação e cobrança das multas”, diz ele. “Qualquer medida distante disto passará mensagem errada aos futuros infratores”, afirma.

“A proposta deverá tratar todos infratores com isonomia e provar que teremos um coerente cenário de redução de infrações e danos ambientais futuros.”

Primeiro secretário do Verde da gestão Doria, o vereador Gilberto Natalini é mais crítico: “Isso é uma barbaridade, é uma comissão para passar a mão na cabeça do infrator. Tem que fiscalizar, tem que multar, crime ambiental tem que ser penalizado, em nome da qualidade de vida da cidade. Quem praticou crime ambiental tem que pagar”, diz.

Natalini assumiu a secretaria no lugar de Rodrigo Ravena, secretário na gestão Haddad (PT), e foi demitido por Doria em agosto de 2017.

Ravena voltou à secretaria como chefe de gabinete do novo secretário, Eduardo de Castro. Natalini diz que a nova comissão voltará a fazer o que a secretaria fazia na gestão anterior. “O fiscal ficava multando embaixo e eles anulavam em cima”, afirma.

Ele cita dois casos específicos. O primeiro, uma multa de R$ 9 milhões da empresa de ônibus Sambaíba, em 2009, por descarte irregular de lixo. O processo foi reaberto, e a multa, anulada, em novembro de 2016. No ano seguinte, Natalini cancelou a anulação.

O outro caso é de 2011: a pedreira Basalto foi multada em R$ 16 milhões por soterrar árvores em movimentações de terra e descumprir embargos de operação. O processo foi anulado em 2016, mas a anulação foi cancelada um ano depois.

O atual secretário, Eduardo de Castro, é veemente ao negar a possibilidade de a prefeitura perder dinheiro com isso e diz que os trabalhos terão acompanhamento de órgãos de controle.

“O que não pode acontecer é que eu não posso ficar segurando uma multa por nove, dez anos, sem que ela seja cobrada. E depois eu tenho casos aqui que inclusive deu a prescrição, perdeu o direito de cobrar”, afirma.

“Houve uma inércia aí. Toda vez que você fala em multa existe uma sensibilidade muito grande. Os antigos gestores: ‘Ai, multa, eles estão reduzindo, estão dando desconto, estão fazendo composição’. Sempre leva àquela ideia de que algo errado existe no ar. Muito pelo contrário”, diz.

Castro admite, porém, que pode haver renegociações. “A gente questiona até esses valores. O que teria feito um devedor para ter uma multa de R$ 100 milhões? Ele causou algum prejuízo monstruoso, porque 100 milhões é um valor bastante expressivo”, diz. “[A prefeitura] vai receber o que é correto. Se eventualmente R$ 100 milhões for o correto, ela vai receber R$ 100 milhões. Se o correto não for 100 milhões, ela vai receber aquilo que for correto.”

“A gente está fazendo um juízo arbitral junto com o Judiciário, Ministério Público, Tribunal de Contas, para saber se aquilo que foi feito 10 anos atrás estava correto ou não, e a gente observa em alguns casos que existem, sim, distorções, como existem outros casos em que nós estamos corretos. Eu tive casos aqui em que o TJ abaixou a multa em 1.000%. O que era R$ 1,5 milhão virou R$ 15 mil.”

 

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