Publicado às 9h35
Folha de SP
“É R$ 1 duas balinhas de eucalipto! As legítimas medicinais que combatem aquele pigarro e tosse desagradável. Quem tem 50 centavos também leva!”
Com a propaganda na ponta da língua, os vendedores ambulantes quebram o silêncio do trem das 7h e sustentam a barulheira no rush das 17h. Mesmo com o transporte abarrotado de passageiros, vendedores tentam ganhar a vida dentro dos vagões da CPTM, que circulam na Grande SP. Já os usuários aproveitam as ofertas e as novidades, que são páreo duro com o comércio fora das estações.
Agora mais uma vez os ambulantes estão na mira da companhia, que em nova campanha também coloca o usuário como agente do comércio ilegal. Com aumento da frequência de avisos incisivos nos alto-falantes e o endurecimento da fiscalização por parte da segurança, a CPTM adota nova estratégia para conter a expansão do comércio dentro dos vagões.
Em decorrência da crise econômica, o número de ambulantes só cresce. Segundo dados da companhia, a quantidade de retenções, que equivale ao número de apreensões nas sete linhas, aumentou 16,5% em 2017.
Ainda segundo a CPTM, o comércio ilegal nos trilhos é uma das principais reclamações de passageiros. Somente neste ano o número triplicou em relação a 2014, chegando a 10.119 denúncias via SMS.
“Os usuários não gostam? Eu acho o contrário. Aqui todo mundo é pobre, e os preços são bons. Se você compra um chocolate lá fora por R$ 5, aqui você compra por R$ 3”, conta o ambulante Antônio (nome fictício), 46.
Com 19 anos de carreira como vendedor ilegal nos trens, ele diz que nunca teve problemas. “Eu respeito os seguranças, e eles me respeitam. Eu não saio do vagão, eles fazem o trabalho deles, e eu faço o meu.”
Mas nem todos pensam da mesma forma. Alguns ambulantes relatam abuso dos seguranças e uso de força desnecessária, que vai além da apreensão da mercadoria. Outros dizem ser surpreendidos por guardas à paisana.
Em uma noite de vendas, Gabriela, Carlos e Igor (todos com nomes fictícios) interromperam suas vendas e pediram ajuda dos passageiros. “Eu estava ali no outro vagão e veio um cara comprar. Quando fui perguntar qual ele queria, levantou a camiseta e me mostrou o distintivo, acabou levando toda nossa mercadoria.” “Tudo bem acabar com o comércio, é só não acabar com a gente, eles estão batendo nos nossos amigos”.
O coronel Iran Figueiredo Leão, gerente de segurança da CPTM, afirma que os funcionários ficam uniformizados conforme a necessidade. “São estratégias que a empresa tem e pode usar para fazer valer o que está na lei”, diz Leão.
A linha que tem mais problemas com o comércio ambulante ilegal, segundo o coronel da CPTM, é a 8-Diamante, que liga as estações Júlio Prestes e Itapevi. A nova campanha começou a ser veiculada em julho deste ano.
Uma das estratégias adotada pela companhia são novas mensagens como “Quem compra do ambulante é responsável pelo comércio ilegal, não compre” e “Se não comprar, ambulante vai acabar”. A CPTM não tem números de apreensões durante este período, mas acredita que está surtindo efeito.
“Incomoda é quando volto para casa, às 19h, quando a linha 8-diamante está lotada. Mal dá para sentar, fica um empurra-empurra para eles [ambulantes] passarem. É uma gritaria que ninguém merece escutar depois de um dia inteiro de estudo e trabalho”, diz Carlos Alberto, 24, estudante de engenharia da computação.
Já para Neide Santos, 41, os ambulantes não são o maior problema das viagens. Todo dia, às 7h, a auxiliar de limpeza usa a linha 8-Diamante para ir ao trabalho. Quando precisa de algo, conta que compra dos comerciantes. “Assim como eu, eles estão tentando ganhar a vida de forma honesta, não estão nas ruas assaltando”, diz.
Em nota, a CPTM informou que repudia o uso da violência. Segundo a companhia, os seguranças recebem treinamento para garantir a qualidade aos usuários e proteger o patrimônio público, que frequentemente tem sido alvo de depredações por ambulantes. A Companhia enviou dois vídeos, do dia 12 de maio, onde ambulantes pegam pedras e atiram nos seguranças, na estação Piqueri, da linha 7-Rubi.
A CPTM reitera que as denúncias de eventuais excessos por parte de funcionários são investigadas e, se comprovadas, os responsáveis estão sujeitos a sanções, incluindo a demissão.
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