SAÚDE

Governo quer consulta genética pré-nupcial para saber risco de doença rara

União fala em evitar custo e sofrimento, mas medida esbarra em questões éticas e operacionais

Publicado às 9h20

Folha de SP

O Ministério da Saúde prepara uma proposta de aconselhamento genético dentro de uma política de “cuidado pré-nupcial”. Antes mesmo de ser publicada, a medida já é alvo de questionamentos — que vão do aspecto bioético ao operacional.

O objetivo da pasta é informar aos casais, antes da gestação, quais os riscos de eles gerarem filhos com doenças raras de origem genética. Entre elas, estão surdez congênita, fibrose cística do pâncreas e milhares de outras.

A ideia é que, a partir do diagnóstico, os pais sejam orientados sobre a possibilidade de a criança desenvolver alguma enfermidade hereditária. Entre os fatores de risco estão casamentos consanguíneos e histórico de doenças genéticas na família.

Se, diante das informações fornecidas pelo médico, o casal não quiser ter filhos, receberá métodos contraceptivos.

O objetivo da medida é evitar custo e sofrimento, disse à FolhaFernando Araújo, diretor do departamento de Atenção Especializada do Ministério da Saúde.

Segundo ele, o gasto do SUS com diagnóstico, tratamento, internações e cirurgias nos casos de doenças raras chega a quase R$ 8 bilhões por ano. O valor varia bastante de doença para doença, mas em casos excepcionais o gasto com remédio chega a R$ 2,5 milhões ao ano por paciente.

Além desses gastos, o diretor diz que se levou em consideração também o “custo social”, com bolsas e aposentadorias, e o sofrimento dos pacientes e suas famílias.

“Essas doenças são muitas vezes graves, incapacitantes, [levam a] qualidade de vida muito ruim, muitas vezes à morte precoce.”

Pelo desenho da política, a decisão final sobre a gestação caberá ao casal. Ao médico, só será permitido informar sobre os riscos. Segundo Araújo, quem decidir por uma gravidez, mesmo com fatores de risco, receberá acompanhamento especial ao longo do período. “Há algumas malformações que é possível minimizar durante a gestação.”

Não será disponibilizada, porém, opção de fertilização in vitro. De acordo com o médico geneticista Salmo Raskin, a alternativa é oferecida na rede particular por cerca de R$ 50 mil, valor que nem os planos de saúde cobrem. Trata-se de uma fertilização em que embriões com diagnóstico de doença genética não são implantados.

Raskin questiona a falta de possibilidades previstas pelo ministério para as famílias que quiserem ter filhos mesmo com chance maior de enfermidade rara. “Quais alternativas serão oferecidas para os casais que tiverem, por exemplo, um risco de 25% de ter outro filho com a mesma doença genética?”, indaga. “Cabe aqui lembrar que a interrupção da gestação é proibida no Brasil nestes casos.”

“Não posso imaginar que a ideia seja proibir estes casais de terem outros filhos, pois isto seria absolutamente inaceitável do ponto de vista ético e moral.” Ele apoia a oferta do aconselhamento em si, por assegurar ao casal uma informação importante.

A preocupação com a possibilidade de o aconselhamento ser associado a uma ideia de eugenia —ou seja, de seleção baseada na genética— foi levantada pelo secretário municipal de Saúde de Campinas, Cármino de Souza, durante apresentação interna feita pelo ministério.

“O grande ponto de delicadeza desse tema é bioético”, afirma. “É preciso muito cuidado para não transparecer que se trata de questão de eugenia ou de uma preocupação econômica”, afirma ele.

PROFISSIONAIS

Outro receio citado por ele é com o baixo número de médicos especialistas no assunto. De acordo com a própria apresentação do ministério, há apenas 372 médicos geneticistas no país, dos quais 259 atendem pelo SUS. Desses, 51% estão no Sudeste.

O diretor da pasta diz que, diante disso, está previsto que se pague a viagem de pacientes com avaliação preliminar para outros Estados.

Segundo ele, ainda esta semana deve ser definida a data de divulgação da portaria com a política. “O ministro [Ricardo Barros] determinou que a gente faça esse programa para ontem”, diz.

A pasta aguarda, a pedido do ministro, a análise da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS para acrescentar um exame, o CGT, que pode diagnosticar até 8.000 doenças raras por incompatibilidade genética.

Para a geneticista Mayana Zatz, do Centro de Pesquisas do Genoma Humano da USP, é positiva a oferta do aconselhamento para os casais. Ela critica, porém, a restrição do atendimento aos médicos especialistas —para ela, uma reserva de mercado.

Segundo Mayana, há milhares de geneticistas com outras formações que poderiam fazer o atendimento, condição para que o acesso à política seja assegurado.

 

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