Publicado em 06/11/2020 às 11h54
Por Cristina Braga
Os pesquisadores do Laboratório de Engenharia e Química de Produtos (LEQUIP), da Unicamp, exploravam o potencial das interações de íons metálicos com polímeros naturais na área ambiental e biomédica. Com a pandemia do novo coronavírus e a chegada da Covid-19 no Brasil, tiveram a ideia de avaliar se esses compostos também seriam capazes de inativar o SARS-CoV-2.
Assim, surgiu a mais nova tecnologia que pode acabar com as trocas frequentes de máscaras e outros acessórios que entraram para a rotina de proteção da população, os chamados EPIs (equipamentos de proteção individual). Trata-se de um processo de recobrimento para esses materiais, capaz de formar uma capa protetora ativa e de ação prolongada que neutraliza o coronavírus por contato.
O SprayCov, como foi batizado, eliminou o coronavírus depois de apenas um minuto e manteve 99,99% de eficácia nas 48 horas seguintes. “Nossa fórmula não é um agente sanitizante como o álcool 70 ou o hipoclorito de sódio que usamos na limpeza, esse é um processo para tornar a máscara capaz de inativar o vírus”, explica Marisa Masumi Beppu, professora titular da Faculdade de Engenharia Química e fundadora do LEQUIP.
A tecnologia é indicada para EPIs empregados por profissionais de saúde, mas o spray também pode ser aspergido em máscaras de algodão. A ideia é conferir uma barreira ativa que destrua o vírus assim que ele tiver contato com a superfície recoberta. Atualmente, os equipamentos de proteção individual servem mais como barreira física.
Uma das preocupações dos cientistas foi a escolha criteriosa das substâncias, pensando nos impactos do uso prolongado do spray no meio ambiente. Os sais de cobre já são usados em larga escala na agricultura, há mais de um século, como fungicida para conter o avanço de pragas. “O impacto ambiental não seria diferente de um agricultor usando a calda bordalesa na plantação”, relaciona Marisa.
A tecnologia também usa uma mistura de polímeros biodegradáveis que funcionam como uma espécie de cola para a fixação dos sais. A aderência foi testada em diversas superfícies, alcançando os mesmos resultados em tecidos e não-tecidos. Com os resultados promissores, a Agência de Inovação Inova Unicamp fez o depósito do pedido de patente junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial e está promovendo a oferta ativa da tecnologia a empresas com potencial para licenciar a tecnologia e levá-la ao mercado. “Recentemente, tivemos a abordagem de empresas têxteis e também do setor público”, contou Marisa.
Tão eficaz e mais barato que a prata
Outra vantagem da fórmula está no preço dos insumos. O custo de recobrimento de máscaras com o SprayCov foi calculado pelos pesquisadores em pouco menos de R$ 0,02 por máscara. “O cobre é tão eficaz quanto a prata”, afirma Clarice Weis Arns, professora titular do Instituto de Biologia, e responsável pelos testes. As análises de eficácia foram realizadas no Laboratório de Virologia Animal (LVA), da Unicamp, que já avaliou a ação virucida de outros produtos apresentados pela força-tarefa da universidade, montada no início do ano contra a Covid-19.
Amostras do vírus SARS-CoV-2 e de um modelo dele, chamado de MHV (outro tipo de coronavírus, mais resistente e que afeta apenas camundongos) foram colocadas em contato com a fórmula e células vivas in vitro. O SprayCov não apresentou toxicidade para as células, inibiu a replicação do coronavírus por 3 dias e ainda reduziu a capacidade de inoculação, desarticulando os mecanismos que permitem a instalação da doença.
O recobrimento libera íons que atacam o vírus. Essas partículas eletricamente carregadas causariam rupturas, decompondo e destruindo o envelope que reveste o microorganismo. “Nessa camada mais externa, composta de glicoproteínas, ficam todas as informações genéticas que permitem ao coronavírus entrar em nossas células. Uma vez desfeita, o vírus deixa de existir e não consegue mais infectar o hospedeiro”, explica Clarice.
Para a virologista, a tecnologia não só é viável como abre outras possibilidades para o campo da pesquisa. “Você está aplicando o produto muito próximo das vias aéreas superiores, se tiver algum vírus preso nos nossos cílios, no nariz ou na garganta o recobrimento da máscara pode ajudar a eliminar”, comenta.
Os pesquisadores acreditam que o invento possa ainda ser eficaz contra outros tipos de vírus causadores de doenças respiratórias, como a Influenza provocada pelo H1N1. Novos estudos, em andamento, buscam elucidar como os íons de cobre e, possivelmente, também alguns contra-íons que equilibram o componente, agem na batalha para destruir esses microorganismos.
Além das professoras Marisa e Clarice, os alunos João Batista Maia Rocha Neto, Rogério Aparecido Bataglioli, Amanda Barbosa Garcia, Laise Maia Lopes e Guilherme Bedeschi Calais participaram das pesquisas e constam como inventores da patente.
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