Publicado às 10h50
Folha de SP
Acabar com a fila por habitação na cidade de São Paulo demandaria a construção de 358 mil apartamentos ou casas, em um investimento de R$ 46 bilhões.
A cifra, da própria prefeitura, é impraticável e coloca em discussão a eficácia da atual política de moradia popular da prefeitura —dependente, quase exclusivamente, de repasses estaduais e federais para construir habitações do zero ou reformá-las.
No momento em que o desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, no centro, joga luz sobre o problema do déficit habitacional na cidade, dados mostram que a aposta na produção de casas próprias é cara e lenta.
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A prefeitura afirma ter entregue 7.000 unidades —o equivalente a 2% da fila— no ano passado, sob a gestão João Doria (PSDB), candidato o governo do estado, que transmitiu o cargo ao também tucano Bruno Covas (PSDB) em abril. A administração de Fernando Haddad (PT) também teve resultado tímido no setor. O petista prometeu construir 55 mil unidades habitacionais de interesse social, mas entregou cerca de 8.000.
O ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), que deixou o cargo recentemente para disputar a Presidência, teve o Casa Paulista como um dos projetos habitacionais mais divulgados de seu governo. Sua gestão, porém, terminou sem que entregasse as 10 mil casas que seriam construídas em regime de mutirão. No primeiro mandato, o tucano entregou 47 mil unidades.
Além do avanço tímido da entrega de casa própria, outra particularidade dificulta o andamento da fila por moradia na cidade: o abuso do auxílio-aluguel, ajuda destinada a pessoas desabrigadas.
Atualmente, a administração gasta R$ 130 milhões por ano com o benefício, dado a 28 mil famílias que perderam suas casas em incêndios ou desabamentos ou que foram desalojadas por obras públicas.
Concebido como paliativo, o auxílio-aluguel tem se consolidado ao longo dos anos.
Em dez anos, a verba quase quintuplicou. Foram R$ 823 milhões. “Virou solução para tudo, já que não há produção de unidades suficiente para atender a demanda por moradia”, diz o secretário de Habitação, Fernando Chucre.
O número exponencial de beneficiados pelo auxílio-aluguel é retroalimentado, em parte, por outros investimentos do próprio poder público. Moradores de imóveis desapropriados em obras como as de corredores de ônibus, por exemplo, são alguns dos aptos a receber o benefício.
Outra ação mais recente se deu na cracolândia há duas semanas, quando 225 famílias foram retiradas dos imóveis que ocupavam para a construção de uma unidade do hospital estadual Pérola Byington.
Elas vão receber R$ 400 por mês por um ano.
Segundo o secretário, a atual gestão estabeleceu que o benefício será concedido ao um teto de 28 mil famílias, já preenchido, o maior contingente registrado até hoje pela prefeitura. “Restringimos apenas a pessoas de alta vulnerabilidade, como idosos e deficientes físicos”, diz.
Além do comprometimento de 40% do orçamento com essas prestações, a pasta esbarra em limites de financiamento. O dinheiro para as obras vem de fundos, como o Fundurb (Fundo de Desenvolvimento Urbano), cuja divisão não passa pelo crivo da pasta de Habitação.
Apesar dos entraves aos novos empreendimentos, alternativas à construção de unidades ainda andam em marcha lenta na cidade.
Apontada por especialistas como a opção mais viável em curto prazo, ainda é rara a locação social, que consiste na disponibilização de imóveis para aluguel subsidiado a pessoas de baixa renda.
Diferente do auxílio aluguel, em que a pessoa recebe o benefício e vai procurar onde morar, nesse modelo imóveis específicos são disponibilizados pelo poder público para a locação subsidiada, em caráter permanente.
Transformada em lei de 2002, na gestão da prefeita Marta Suplicy (à época no PT e hoje no MDB), a locação social vigora atualmente em apenas seis edifícios. Um repasse de R$ 50 milhões do governo federal à prefeitura, formalizado em fevereiro, tem o objetivo de estender o modelo a nove edifícios e um terreno no centro. Previstas para serem entregues até o fim deste primeiro semestre, as 441 unidades vão ser destinadas à população de rua.
“A ideia é que as vagas sejam preenchidas por moradores de albergues que estejam trabalhando e possam destinar 10 ou 15% do salário ao pagamento do aluguel”, diz o secretário de Assistência Social, Filipe Sabará.
Com foco específico, o projeto piloto, portanto, ainda não deve aliviar a fila na capital. O secretário de habitação, porém, se diz um entusiasta do modelo de locação social.
“É uma forma de evitar a transferência de imóveis pagos com subsídios públicos para terceiros”, diz Chucre.
Apesar de celebrada, a alternativa ainda tem participação tímida no orçamento da secretaria. Para 2019, a lei de diretrizes orçamentárias prevê R$ 47,6 milhões para a adequação de 1.000 unidades para locação social. A verba destinada à construção ou reforma de moradias é oito vezes maior: R$ 367,5 milhões.
A perspectiva orçamentária da administração contradiz o Plano Municipal de Habitação, aprovado em forma de lei em 2016, e que coloca a locação social como prioridade na política habitacional. O texto foi a mais recente iniciativa em 22 anos de atualizar a legislação sobre o assunto, estagnada desde 1994.
Ao longo desse tempo, a política implantada se baseou na construção de conjuntos habitacionais distantes da oferta de emprego e transporte.
O princípio permeou as iniciativas em gestões passadas, como o projeto Cingapura, de verticalização de favelas, do ex-prefeito Paulo Maluf.
Agora, o Plano Municipal de Habitação tem como meta mínima disponibilizar, em 16 anos, 12 mil unidades à locação social ao custo anual para os cofres municipais de R$ 1.250 por unidade.
Apesar de tímida, é uma tentativa de reverter a lógica perpetuada ao longo dos anos de que política habitacional é sinônimo de cessão de casa própria, em uma cidade que dispõe de 1.372 imóveis ociosos aptos a virar moradia popular.
“Habitação social deve ser vista como problema de todos e não só daqueles que necessitam do benefício”, diz Milton Braga, arquiteto do Urbem (Instituto de Urbanismo e Estudos pela Metrópole).
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