Publicado em 04/04, às 15h47
por Redação
Leia abaixo na íntegra o texto de Vicente Vilardaga.
Por dentro do Pinel
Um passeio pelo Hospital Psiquiátrico Philippe Pinel, em Pirituba, é uma experiência fascinante. Tem-se a sensação de um mergulho na década de 1920, quando ele foi fundado pelo médico eugenista Antônio Carlos Pacheco e Silva, como uma clínica privada destinada a atender pacientes de alto poder aquisitivo. Vê-se ali um importante patrimônio histórico que, de um modo geral, está bem preservado.
As construções da época, vinte e duas delas tombadas pelo Condephaat, são todas conservadas e o lugar é aprazível, cheio de árvores e jardins. Não há doentes gritando ou caminhando pelas vias internas e alamedas. Nem médicos afoitos. O que se ouve é somente o canto dos pássaros.
Do antigo prédio principal se avista o Pico do Jaraguá e tudo é limpo e organizado. O hospital foi instalado na antiga fazenda Anastácio e bem próximo da estação de trem.
“Pacheco e Silva idealizou o Pinel como algo inovador, com um olhar humanizado”, diz a diretora do hospital, Andreia Ramos. “Ele construiu o hospital diante de uma colina, de frente para o pôr do sol porque achava que deveria ser um local agradável para as pessoas internadas e buscava práticas de saúde mental mais modernas.”
O lugar tinha 120 vagas e inicialmente atendia apenas mulheres. Numa segunda fase passou a receber também homens.
A palavra pinel é sinônimo de louco, amalucado, mas o francês Philippe Pinel, que viveu de 1745 a 1826, revolucionou o tratamento da “loucura” com suas teorias humanistas e foi um dos precursores da psiquiatria moderna. Ele via a doença mental como resultado de uma situação de estresse excessivo ou de danos cerebrais hereditários.
Baseado nessas crenças, Pacheco e Silva acabou com tratamentos antigos, como sangrias e vômitos induzidos, e adotou no Pinel terapias ocupacionais. Trouxe também a eletroconvulsoterapia ou eletrochoque, que ainda não era usado no Brasil.
O hospital em Pirituba tirou as correntes dos pacientes e deu-lhes mais liberdade. Os internos podiam circular dentro da clínica, cuidavam de hortas e não eram tratados como endemoniados. Eram também separados conforme a gravidade de seus males.
Hoje, a circulação é restrita, mas as três alas de internação – uma para mulheres psicóticas, com 22 leitos, e duas para homens dependentes químicos, com 52 leitos – são ladeadas por jardins e oferecem conforto para os doentes, que fazem seis refeições por dia e contam com dormitórios asseados, salas de televisão, espaço artístico, academia, quadra poliesportiva, sala de jogos e até uma piscina para hidroginástica.
No passado, o hospital contava também um cassino e uma chácara, chamada de Paraíso, onde havia atividades de laborterapia. Hoje essa área é ocupada pela Polícia Militar.
Os dependentes químicos se internam voluntariamente e podem deixar o hospital quando bem entenderem. Já os psicóticos precisam receber alta, mas o tempo médio de internação é de 30 dias. O Pinel ocupa uma área de 77 mil metros quadrados e conta também com um ambulatório de atendimento para crianças e adolescentes autistas com 240 pacientes.
O hospital Philippe Pinel, fundado em 1922 e inaugurado em 1929, foi um dos pioneiros no Brasil a adotar o ideário do médico francês e a principal diferença entre os tratamentos psiquiátricos do passado e os de hoje em dia é o uso de remédios. Os medicamentos para psicoses só surgiram na década de 1950. O primeiro foi a clorpromazina, de 1952.
A eletroconvulsoterapia ainda é aplicada em alguns pacientes, mas em condições diferentes de outros tempos. “Ela ainda tem suas indicações, mas é usada com anestesia, os aparelhos são mais modernos e os protocolos utilizados são bastante seguros”, diz o psiquiatra do Pinel Rodrigo Alberto. “Os pacientes não sentem qualquer dor.”
O Pinel permaneceu privado até 1944, quando já dava sinais de decadência e seus proprietários acumulavam prejuízos. Foi então adquirido pelo governo do estado, que o controla até hoje. Desde 2008 o nome oficial do hospital é Centro de Atenção Integrada em Saúde Mental (Caism) Philippe Pinel.
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