REGIONAL

‘O Caso Makropulos’ faz homenagem à soprano brasileira Eliane Coelho

Ópera de ficção científica do tcheco Leo Janácek está em cartaz em São Paulo

Publicado às 11h

Folha de SP

“Não sou um novato, senhorita, mas confesso que o maior depravado não tem tanta experiência em certas coisas como essa mulher”. A frase do barão Jaroslav Prus é dita para a diva Emilia Marty, sem saber que as cartas centenárias encontradas num velho armário haviam sido escritas por ela mesma.

Graças a um elixir que prolongou sua vida ao longo de três séculos, Emilia é apenas a versão repaginada de uma cantora eternamente linda e jovem, que já foi Elina, Ellian, Eugenia, Elsa e Ekaterina, entre outros nomes com a mesma inicial.

Mas, na montagem em cartaz no Theatro São Pedro da ópera “O Caso Makropulos”, do tcheco Leoš Janáček (1854-1928) e assinada em São Paulo por Ira Levin (direção musical) e André Heller-Lopes (concepção e direção cênica), a personagem é também, antes de tudo, Eliane, a soprano brasileira Eliane Coelho.

Concebida com sensibilidade e interação plena com a música, a montagem é uma homenagem sutil e bela a uma das mais importantes cantoras líricas da história brasileira: com presença vocal e cênica arrasadora, a veterana Eliane vive um papel que parece ter sido escrito para ela hoje, neste momento.

Como parte do elenco fixo da ópera de Viena, a carioca interpretou cerca de 140 vezes a personagem título da ópera “Salomé”, de Richard Strauss. Seu retrato figura no museu lírico vienense, próximo às partituras anotadas por Gustav Mahler.

Luz, cenários e figurinos contextualizam o estranhamento da personagem central, e duas referências são introduzidas com delicadeza e inteligência: o filme da bailarina Anna Pavlova dançando “A Morte do Cisne” (de 1925, ano anterior à estreia de “O Caso Makropulos”) e “Crepúsculo dos Deuses” (1950), filme noir de Billy Wilder, cuja referência explícita a Salomé integra brilhantemente Eliane Coelho e Emilia Marty.

O entrosamento rigoroso entre direção cênica e musical —nem sempre comum em nossas montagens— faz com que todos os cantores atuem bem, mas sem destaques especiais nem pontos fora da curva.

A música de Janáček é muito variada, assumindo variadas funções ao longo da trama. Sua partitura é um discurso unificado que funde alturas, durações, intensidades e timbres, no qual as vozes entram como parte da textura. Não há a divisão usual entre árias e recitativos.

A cena se desenvolve com rapidez e fluência, e muita ironia, com a música também imitando estilos, nacionalidades e épocas. Na estreia (14), a orquestra venceu as dificuldades com categoria.

“Ah, não se deve viver tanto! Oh, se vocês soubessem como a sua vida é fácil. Estão tão perto de tudo! Tudo faz sentido para vocês. Tudo tem valor para vocês”, canta no palco a protagonista antes de, enfim, aceitar a sua condição mortal.

Um ano após a estreia da ópera de Janáček, em “Ser e Tempo” (1927), o filósofo Martin Heidegger iria mostrar justamente o inextricável amálgama entre sentido e existência.

 

Serviço

O Caso Makropulos

Quando: Dom (16), qua. (19) e sex. (21), às 20h; dom. (23), às 17h
Onde: Theatro São Pedro. Rua Barra Funda, 161
Quanto: R$30 a R$80

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