Publicado às 9h
Folha de SP
Uma alteração em lei feita pela gestão Bruno Covas (PSDB) sem discussão com a sociedade civil retirou grande parte do poder que tinham os conselhos gestores dos parques municipais, que são os órgãos de participação popular na definição dos destinos desses espaços.
A modificação, feita por meio de projeto de lei enviado à Câmara Municipal e sancionado no final de maio, está ligada à intenção da gestão tucana de conceder os 106 parques para a iniciativa privada.
O enfraquecimento dos conselhos gestores, pelos quais até então passavam todas as propostas e contratos referentes aos parques, tira um obstáculo do caminho de um possível empresário interessado na concessão. Isso porque os conselhos frequentemente vetam eventos em parques que consideram que podem danificar os locais ou incomodar os frequentadores.
A proposta de Covas revogou artigo de lei anterior que estabelecia que os conselhos de parques tinham “funções deliberativas, consultivas, normativas ou fiscalizadoras”. No lugar, colocou formulação que diz que eles terão caráter permanente e remete para outro artigo que lista funções consultivas e fiscalizadoras dos conselhos.
Para os membros dos conselhos, a retirada da capacidade deliberativa colocou os grupos em um limbo.
“A eleição do parque da Aclimação teve mais de 300 eleitores. Fomos eleitos com prerrogativas e poderes. Para a prefeitura modificar as condições do conselho teria que ter debatido publicamente antes. Parece-me claramente uma retirada de poder e de autonomia do controle social que exercemos. Não consigo entender como poderemos agir agora”, diz Paula Chrispiniano, jornalista e conselheira do parque da zona sul.
Nos parques, os conselheiros fiscalizam e decidem se autorizam eventos, avaliando potenciais de poluição visual ou sonora, por exemplo. Também analisam contratos como os de segurança e de limpeza.
Criados em 2003, os conselhos gestores de parques contam com quatro representantes da sociedade civil escolhidos por eleição, um eleito pelos trabalhadores e três indicados pelo poder público. Atualmente há 95 conselhos em funcionamento na cidade.
“Sem funções deliberativas, as alterações hoje desconhecidas e futuramente propostas pela empresa concessionária não poderão ser ponderadas e contestadas administrativamente pelo cidadão, sociedade civil ou mesmo servidores que compõem o conselho”, afirma Thobias Furtado, diretor presidente da Parque Ibirapuera Conservação, organização sem fins lucrativos que desenvolve atividades de melhoria do Ibirapuera e que tem assento no conselho.
“As alterações foram feitas na surdina para reduzir o risco regulatório para uma eventual empresa concessionária e na contramão do resto do mundo, que promove melhorias na governança antes de transferir responsabilidades de zeladoria das áreas públicas verdes e abertas”, completa.
A mudança nos conselhos proposta por Covas foi colocada no meio de um projeto de lei apelidado na Câmara de “x-tudo”, por tratar de temas sem nenhuma relação entre si.
No projeto, aprovado em 16 de maio, estava um pacote de benefícios para servidores e vereadores que incluía auxílio-saúde e auxílio-alimentação, doação de terrenos para o programa Minha Casa, Minha Vida e mudanças em cargos de comissão, dentre outros temas diversos.
Líder do PT na Câmara, o vereador Antonio Donato enviará representação ao Ministério Público. “Colocaram em um projeto que nem trata do tema e não dão nem tempo de reação para os conselhos nem para a sociedade civil. No mérito, mostra que a política de privatização é de enfraquecimento do controle popular.”
Ex-secretário do Verde da gestão João Doria (PSDB), o vereador Gilberto Natalini (PV) diz que a prefeitura incluiu múltiplas alterações de última hora no projeto e poucos vereadores tiveram conhecimento dessa proposta para os parques. Ele tentará restituir a função deliberativa dos conselhos por meio de outro projeto de lei na Câmara.
“É um retrocesso democrático para agradar as concessionárias. Os conselhos são o alter ego dos parques: cuidam, fiscalizam. Quando fui secretário, eles ajudaram muito. A prefeitura não tem dinheiro, e então os conselhos organizaram 105 mutirões, fizeram obras”, afirma Natalini.
Caso o cronograma previsto pela prefeitura tivesse dado certo, a abertura dos envelopes de concessão do Ibirapuera e outros cinco parques teria acontecido em 12 de julho, pouco após a alteração que enfraqueceu os conselhos.
No entanto, o governador Márcio França (PSB) alegou que o estado não havia sido envolvido nas conversas sobre a concessão do Ibirapuera, que possui áreas estaduais. Diante disso, Covas teve de reformular o pacote de parques, que agora envolve apenas o Ibirapuera (sem as áreas do estado) e o parque Lajeado, na zona leste.
A prefeitura espera lançar o novo edital no segundo semestre de 2018.
PARA PREFEITURA, MUDANÇA CORRIGE DISTORÇÃO EM ÓRGÃOS
A gestão Bruno Covas (PSDB) afirma que “a alteração na redação da lei” sobre os parques “corrige distorção nas atribuições dos conselhos gestores”.
Sem a mudança, segundo a administração tucana, “esses órgãos podem tomar decisões que geram custos à administração municipal ou impedem ações que podem gerar receita, como a realização de eventos, sem, contudo, ter o ônus de encontrar alternativas para financiar a manutenção dos parques”.
“Os integrantes dos colegiados têm a função de aconselhar o município na tomada de decisões. Entretanto, as consequências dos atos da prefeitura serão assumidas exclusivamente pelos gestores públicos, independentemente dos apontamentos dos conselheiros”, completa a gestão Covas.
Reportagem da Folha mostrou que a prefeitura planejava investir mais de R$ 251 milhões na reforma dos parques entre 2014 e 2017. No entanto, gastou R$ 6,8 milhões –2,7% do previsto no PPA (Plano Plurianual), que contém as prioridades das gestões.
Para os próximos anos, a projeção é modesta. No PPA da gestão tucana para o quadriênio 2018-2021, projeta-se o investimento de R$ 13,8 milhões na ampliação, reforma e requalificação de parques.
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