Publicado às 13h30
Folha de SP
A realização de cirurgias de vasectomia disparou no Brasil. De 2011 a 2017, a alta foi de 42% e, para especialistas, teve a influência tanto de políticas de saúde como da crise econômica.
O crescimento ocorreu nas redes pública e privada. No SUS, o número de procedimentos aumentou 20%, passando de 30,6 mil para 36,7 mil. Já as operações bancadas pelos planos de saúde mais que dobraram, chegando a 21,2 mil.
Os dados do sistema público permitem um recorte por faixa etária e mostram que houve um envelhecimento no público que busca a cirurgia. A maior procura é do grupo de 35 a 39 anos —até 2015, era o de 30 a 34 anos.
Embora os dados mostrem que os homens, aos poucos, assumem mais responsabilidade pelo planejamento familiar, o número de mulheres que se submetem a esterilização ainda é maior. Em 2017, foram realizadas 83 mil laqueaduras no país, o que soma 25 mil procedimentos a mais que vasectomias.
Um dos fatores que fez aumentar as cirurgias nos homens foi o lançamento de uma política federal específica para eles em 2009, afirma Marcelo Vieira, coordenador de Reprodução da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU). A iniciativa aumentou o valor pago no SUS pelo procedimento.
Nos planos de saúde, a vasectomia é de cobertura obrigatória desde 2008, por norma da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).
O número de vasectomias vem aumentando desde esses dois marcos, mas ganhou impulso nos últimos anos. Para especialistas, essa alta mais recente pode estar relacionada à crise econômica.
“Há pesquisas que apontam um aumento na realização de vasectomias em épocas de recessão e, por outro lado, crescimento da reversão da cirurgia em períodos de prosperidade”, diz o representante da SBU.
Aplicando-se a hipótese ao Brasil, enquanto o PIB do país encolheu em 8,2% de 2014 a 2016, o número de vasectomias subiu em proporção similar no mesmo período: 8,4%.
O técnico em medições Leandro Cruz, 37, foi um dos que decidiu fazer a vasectomia no contexto da recessão.
Ele já tinha dois filhos de outro relacionamento quando se casou, e sua segunda mulher, também.
Depois da união, tiveram outro filho e logo uma surpresa. “Foi a bebê nascer e, pouco depois, ela ficou grávida de novo”, lembra ele.
“Isso no meio da crise. Começou a apertar o orçamento”, afirma ele, operado no último mês de julho.
Seu médico, o urologista Rodrigo Freddi, da clínica Cuidar Mais, diz que a cirurgia é rápida, com cerca de 30 minutos de duração. O procedimento consiste em cortar os canais deferentes, por onde passam os espermatozoides no momento da ejaculação.
Por lei, é preciso ter pelo menos 25 anos para se submeter a vasectomia, ou ter mais que 18 e dois filhos.
Após a manifestação da vontade do paciente, ele assina um documento e deve esperar mais ao menos 60 dias para a esterilização.
Em São Paulo, pode-se conseguir a cirurgia pelo SUS dando-se entrada no pedido em uma UBS (unidade básica de saúde).
No sistema particular, alguns médicos fazem exigências adicionais. É o caso de Vieira, da SBU. Ele exige em seu consultório que o paciente tenha ao menos 35 anos, dois filhos e sete anos de casamento.
O objetivo é evitar que arrependimento, diz o urologista, especialista em reversão de vasectomia. Segundo ele, a maior parte dos que buscam desfazer o procedimento é de homens que se casaram de novo.
Foi o caso do microempresário Raul Assis, 55. Ele teve uma filha em 1990, um menino em 1996, e resolveu que era hora de parar. Vinte e sete anos depois, quando foi morar junto com sua nova mulher, a questão ressurgiu.
Depois de um ano de visitas a médicos, acabou por fazer a reversão, e sua esposa hoje está grávida.
Nem todos, porém, obtêm o mesmo sucesso. O êxito da reversão varia principalmente de acordo com o tempo transcorrido desde a vasectomia.
Casos como o de Raul mostram que a expansão do procedimento tem limite, avalia o urologista Hiury Andrade. “Com o número de separações e divórcios, tenho notado os homens mais preocupados que antes em tomar uma decisão como essa. Quem faz a vasectomia é quem tem certeza absoluta.”
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