Publicado às 9h20
Folha de SP
As taxas de suicídio de crianças e adolescentes no Brasil têm aumentado nas últimas décadas, e casos recentes envolvendo estudantes de São Paulo levaram à mobilização de colégios particulares para tratar do problema.
Entre 2000 e 2015, os suicídios aumentaram 65% entre pessoas com idade entre 10 e 14 anos e 45% de 15 a 19 anos —mais do que a alta de 40% na média da população.
O levantamento do sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, com base em dados do Ministério da Saúde, aponta que as taxas nesses grupos (de 0,8 e 4,2 por cem mil habitantes, respectivamente) estão abaixo do índice geral (5,5). Mas sua evolução preocupa.
Nas últimas duas semanas, três estudantes de colégios privados de elite da capital paulista se suicidaram —dois eram do Bandeirantes e um do Agostiniano São José. Boatos sobre jogos e aplicativos circularam nas redes sociais, para nervosismo dos pais.
O Bandeirantes afirma que os dois casos envolvendo alunos do colégio não estavam ligados entre si e nega qualquer relação com jogos ou aplicativos. O Colégio Agostiniano São José disse que “refuta os comentários indevidos divulgados pelas mídias sociais e que em nada acrescem à realidade do fato em si”.
Os episódios levaram as escolas a realizar atividades com alunos e pais para dar orientações sobre esse tema.
O Bandeirantes, que estava em período de provas, decidiu suspender alguns dias de avaliação. Em seguida, reuniu os estudantes para conversas.
“Os alunos puderam colocar seus sentimentos, conversar sobre luto e perda. Eles precisavam ser acolhidos”, afirma Estela Zanini, coordenadora do colégio, que também convocou uma especialista em suicídio para preparar a equipe de professores e dar palestras para pais e estudantes.
Mesmo em escolas onde não houve casos recentes, as mortes das últimas semanas impactaram a rotina. No Madre Alix, os professores realizaram rodas de conversa propostas pelos estudantes —alguns eram colegas dos que se suicidaram no Bandeirantes.
“Acho que toda escola está se repensando neste momento”, afirma Katia Chedid, diretora do Madre Alix, que tem um projeto que trabalha com valores sociais e emocionais.
Estudiosos mencionam questões sobre sexualidade, dificuldade de lidar com frustrações, bullying, pressão pela escolha carreira e por um bom desempenho escolar como conflitos que surgem nesta idade e podem funcionar como agravantes. Além disso, as redes sociais, em muitos casos, podem passar a impressão de que todos estão felizes e, assim, contribuir para aumentar a angústia dos jovens.
“A adolescência já é um período conturbado e, atualmente, eles sofrem muita pressão da sociedade e das famílias. Principalmente na elite paulistana, o jovem é cobrado para ter um alto desempenho, passar em uma faculdade excelente, ter uma carreira de sucesso, estudar fora. E pode ser que ele não queira isso”, afirma a psicóloga Karen Scavacini, cofundadora do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio.
Na sua opinião, as escolas têm um papel fundamental, assim como as famílias, em identificar e ajudar jovens nestas situações. No entanto, de acordo com ela, a maioria dos colégios não tem planos de prevenção. “Eles atuam mais de forma reativa, quando um caso já ocorreu”, diz.
A doutora em psicologia Luciene Tognetta, pesquisadora de grupo de estudos da Unicamp e da Unesp, também defende ação mais ativa das escolas. Para ela, é imprescindível incluir mais disciplinas e atividades que desenvolvam habilidades socioemocionais.
“Os currículos ocidentais sempre desprezaram isso e focaram na memorização do conteúdo, mas isso não basta para viver em sociedade.”
Segundo especialistas, os adolescentes também estão mais vulneráveis ao suicídio porque, entre outros fatores, tendem a ser mais imediatistas e impulsivos. “O cérebro do adolescente ainda não está plenamente maduro. O sistema de freios e contrapesos precisa ser formado, em uma gestação social e cultural”, explica Neury Botega, psiquiatra e professor da Unicamp.
O psiquiatra José Manoel Bertolote, da Unesp, diz que a alta recente de suicídios foi verificada mais entre homens.
“Não temos explicação cabal para esse fenômeno, mas, como um dos fatores frequentemente associados ao suicídio é a presença de um transtorno mental (particularmente depressão, alcoolismo e esquizofrenia), acredita-se que a desatenção à saúde mental e a dificuldade para se obter um pronto atendimento está na raiz do problema”, afirma.
O CVV (Centro de Valorização da Vida), que presta atendimento de prevenção do suicídio, notou um aumento na demanda de jovens em seus canais de comunicação.
Carlos Correia, porta-voz do CVV, cita como hipóteses a ampliação do acesso ao serviço por celular e pela internet, além da influência do tema tratado em série televisiva.
O centro teve aumento de demanda em geral: passou da média de 1 milhão de atendimentos ao ano para 2 milhões em 2017. Prevê chegar a 2,5 milhões em 2018 —para isso, precisa de mais voluntários.
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